Vocês já estão grandinhos, não precisam de alguém que os embale e lhes diga o que fazer neste momento difícil, ainda mais um carioca naturalizado paulista. Mas é que eu tenho certa experiência no assunto, sou, como disse o preposto que passou rapidamente sem deixar saudade pela empresa* que me ejetou após uma jornada de 13 anos, protagonista da própria história.
Olha só o que dá para fazer agora:
– Ficar três horas exatas no cinema vendo A Doce Vida, do Fellini, durante uma tarde ordinariamente útil. Em vez de ficar três horas rodando o Facebook ou dando F5 (F5?) no e-mail dentro da redação, vê que bacana. Aqui em São Paulo a sessão com a cópia restaurada começa às 14h20.
(Spoiler**, pois reconheço que a posologia pode ser excessiva para o momento. Marcello, o protagonista, fica em dúvida no filme entre seguir no jornalismo ou abraçar a literatura; o melhor que consegue, no final realmente amargo do filme, é ficar completamente obnubilado.)
– Pegar as crianças na escola quase todos os dias. E sem precisar recorrer aos carro dos colegas no dia do rodízio (tem rodízio no Rio?). Sickness, pode usar a Pajero quando quiser. Só que é 4×2.
– Fazer coisas (ou, por outra, fazer nada) no fim de semana.
– Cursar uma pós e não entregar o trabalho no fim do curso.
– Visitar a prima em Seropédica.
– Ticar todos aqueles pés-sujos compreendidos entre o Morro dos Macacos e a Cidade Nova.
– Colocar alguns pores-do-sol no cenário das suas corridas nos dias úteis (pediram-me para eu falar de corrida aqui, desculpem-me)
– Visitar assentamentos do MST, à maneira do Ultraman.
– Grana? Sim, isso vai ser um problema. Mas ela não está mais no lugar em que vocês trabalhavam. Noves fora os 70 bilhões de seus patrões.
E, claro, sempre podia ser pior. Afinal
– Você não vota em São Paulo
– Você não mora em São Paulo
– Ainda faltam 16 rodadas para acabar o campeonato
– Sem aqueles plantões, agora já vai dar para ver Zorra Total em casa
Sobre coisas como administração de tempo, home office, reinvenção profissional, pressões externas e outras coisas supostamente importantes e úteis, leia nosso dossiê A CASA CAIU, E AGORA?.
E sobre simplesmente dar um tempo da cidade, algo que vem a calhar com a Rio Branco daquele jeito, entre aqui, aqui, aqui e aqui.
*Notícia não sei se trágica ou cômica. Por acordo celebrado com o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo no Tribunal Regional do Trabalho (TRT), a Editora Abril não pode demitir mais de 14 profissionais por mês nos próximos dois meses.
** Monólogo do Steiner, personagem de A Doce Vida que nos é apresentado no filme tocando Tocata e Fuga numa igreja: “Mesmo a vida mais deplorável é melhor que uma existência protegida numa sociedade organizada, onde tudo é preciso e perfeito.”
e o leite dea crianças ?
Plagiando o filme, me ensine a viver
Ensiná-lo, querido Golden, seria como ensinar o padre nosso ao vigário, melhor dizendo, a piada ao rabino. Prazer em vê-lo por estas bandas