A casa caiu, e agora?

Paulo Vieira

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É, amigo
É, amigo

Em 1º de agosto de 2013 fui demitido junto com outras 70, 80 pessoas. Era o segundo grande passaralho daquele ano na Editora Abril.

A razão do meu bilhete azul foi diferente da de muitos colegas: a revista Viagem e Turismo, onde eu trabalhava havia 12 anos e fumaça, não deixou de circular, diretores que não me conheciam e seriam demitidos alguns meses depois acharam por bem trocar o comando da publicação.

Como se passaram alguns bons meses da data, suponho poder ajudar os dezenas de colegas que foram ejetados da Marginal Pinheiros, 7221 na semana passada comentando alguns lugares-comuns do que fazer nestes primeiros dias de, digamos, liberdade.

Se isto aqui se provar de alguma utilidade, irei pleitear uma vaga de redator freelance da Acendedor da Seicho-no-ie.

A CASA CAIU, E AGORA?

1. Todos aqueles adiados almoços longos, aquelas sonhadas idas ao Centro, visitas à Pinacoteca para ver o acervo, enfim, coisas que sempre quis fazer mas nunca deu: agora sim, vai dar tempo.

FALSO. Se você não tinha tempo para ir a esses lugares quando trabalhava numa revista ou num site, não vai ser agora que a coisa vai dar pé. Se é verdade que não é mais preciso mostrar o rosto lindo na redação diariamente, pouco mudou, exceto o compromisso regular, que ruiu. A real: você tinha tempo, só não sabia muito bem o que fazer com ele. A questão é essa, organizá-lo. Eu venho tentando fazer isso há uma cara. Pensando bem, não tenho tanta certeza disso.

2. Preciso de uma ordem externa, um padrão regular para produzir. 

FALSO, COM REQUINTES DE HISTERIA PISCIANA (do autor). Desculpe eventualmente decepcioná-lo, mas ordem externa, padrão regular, tudo isso permanece. A única coisa que muda, infelizmente, é o din-din de todo dia 5. Como diria o velho crupiê paraguaio, no va más. Deadline, pressão, até mesmo fechamento, olha só, seguem existindo. E não pense que o editor para quem você irá com sorte colaborar vai deixar você entregar o trampo na undécima hora, como nos bons tempos de redação. Os frilas, eis uma regra imutável, sempre são cobrados primeiro.

3. Trampar em casa é bico, mas e pra desligar do Globo Esporte e do Will & Grace?

EM TERMOS (lembra do em termos?). Quem com muita justeza solicitava ao chefe a sexta-feira para o home office talvez perceba agora que a home pode não ser tão office assim. Desculpas há muitas: as filhas do vizinho fãs da Kate Perry, o caminhão de gás, o próprio poodle. Só não colam. Afinal, há ambiente menos indicado para um trabalho que exige concentração do que a redação? E ainda por cima com o Peninha na mesma editoria (perdoem-me, sou um pouco velho)? Tudo é uma questão, como no velho bolero, de se acostumbrar. No limite, use o sistema do Massinha Roveri:  gaste o mesmo tempo que demandava à leitura dos jornais quando chegava à redação com a leitura desses mesmos jornais em casa. Pode também ser uma ideia trocar o pijama quando ligar o computador.

4. É fato, preciso me reinventar.

EM TERMOS (de novo!?!) Bem, se isso é mesmo verdade, você poderia começar tentando reinventar essa frase. Agora, recapitulemos: pressão, deadline e fechamento ainda permanecem; e talvez também permaneça aquele orgulho pelo texto irretocável, pela análise correta do contexto, pelo velho faro de repórter (um abraço pro Jotabê), pela edição miraculosa. Assim, o que sobra é talvez uma necessidade maior de usar direito o smartphone, de criar umas frases porretas para o Facebook, e, sim, de se vender num cenário onde centenas de outros colegas também são obrigados a fazer isso. Welcome to the jungle.

E agora umas palavras especialmente carinhosas de quem realmente entende do riscado, Alfredo Ogawa, que tombou mas não se vergou em algum tsunami do Pinheiros e hoje atua com comunicação corporativa na multi de bandeira sueca Kreab.

Se puder, primeiro, descanse muito, desintoxique seu organismo daquele mundo. Feito isso, abrace a… rotina. Descubra o que você vai ou precisa fazer. Provavelmente, há muitos amigos e conhecidos profissionais com quem conversar sobre planos, ideias e oportunidades, pesquisas a serem feitas, entrevistas de emprego, um monte de obrigações burocráticas (abriu uma empresa? vixi…)

Eu busquei espalhar essas doideiras novas com uma certa ordem pelos meus dias. Ajudou a dar ritmo e foco nas ações. Reuniões, por exemplo, aprendi a fazer de manhã. Por ter um dia cheio pela frente, as pessoas são mais objetivas na conversa.

Como vim do jornalismo, mantive o hábito de fazer anotações, agora sobre meus encontros de networking. Logo, ao comparar seus escritos, você vai percebendo o que vale ou não manter na sua nova rotina. E, diferentemente do que acontecia no antigo emprego, o tempo que você ganha agora você usa como quiser.

Tá vendo: pode até ser divertido.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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