Corridas só para mulheres são machistas?

Julia Zanolli

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À primeira vista pode parecer contraditório que um evento feito sob medida para mulheres seja machista, mas basta olhar um pouquinho mais de perto para sacar que o negócio é mais complicado do que isso.

Neste 8 de março, em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, participei da WRun, em São Paulo, perto da região do Jockey. É uma prova exclusiva para elas e de fato 95% das participantes são mulheres (embora este ano o número de homens na pipoca tenha me parecido maior).

Já perdi a conta de quantas vezes já fiz essa corrida, mas confesso que essa coisa mulherzinha me incomoda. Acho sintomático a quantidade de produtos de beleza e alimentos light nas tendas do evento. Adivinha qual cor não podia ficar de fora da comunicação visual da prova?

rosa
Rosa, sempre ele

Deixando o lado feminazi de lado, a WRun tem um clima de girl power bem legal. São umas 10 mil mulheres – meninas, idosas de bengala, acima do peso, magrelas – e uns marmanjos babando do lado de fora do percurso. Aquele espírito competitivo de gente se acotovelando na largada com certeza é mais leve.

Mas todas nós que hoje temos a liberdade de calçar um tênis (e vestir um short bem curto sem dever nada para ninguém) devemos agradecer a Kathrine Switzer, a primeira mulher a participar dos 42 K nos EUA quando elas ainda eram proibidas sequer de treinar. Em 1967, ela deu um chapéu no organizador da Maratona de Boston, que tentou a impedir de participar da prova, exclusiva para homens.

"Saia da %#&* da minha corrida e me dê esse número de peito", disse o organizador
“Saia da %#&* da minha corrida e me dê esse número de peito”, disse o digníssimo senhor

Hoje nós podemos fazer maratonas, ultras, triatlos, o que for. Mas ainda ganhamos menos, somos minoria na política, nos cargos de liderança nas empresas e morremos aos montes por conta de abortos clandestinos. Poder correr é incrível, mas tomara que em breve a gente possa fazer muito mais.

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Julia Zanolli

Julia Zanolli começou a correr em nome do bom jornalismo quando foi trabalhar na revista Runner’s World sem entender nada do assunto. A obrigação virou curtição, mesmo depois de sair da revista. Se livrou do carro para poder andar a pé pela cidade, mas é fã assumida de esteira. Prefere falar de comida do que de nutrição e acha que ter tempo é muito melhor do que matá-lo.

2 Comentários

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    Daniella

    Oi Julia, concordo com você. Essa coisa “mulherzinha”, rosa e etc me incomoda um pouco. Mas por outro lado eu vejo um ponto bem posivito. Se provas assim servirem para estimular as mulheres que não fazem atividade física ou que nunca se viram numa prova “se acotovelando”entre atletas comepetitivos, acho ótimo. E que sirva para encorajá-las a participarem de outras provas comuns, sem foco em qualquer gênero – e que não sejam cor de rosa, rs. Abs

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  2. Avatar
    Ana Paula

    Oi Júlia, tudo bem? Esta semana eu fiz um comentário num post de uma grande organizadora de corrida de montanha à respeito disto. Eles vão abrir este ano uma quilometragem (7 km) exclusiva para mulheres. Eu não curti, porque acho que não precisamos disto, sabe? Já participamos de grandes provas de corrida de montanha de igual pra igual com os homens, passando pelo mesmo percurso, mesma distância. Me pareceu mais marketing deles $$$ do que realmente uma preocupação em inserir as mulheres na trilha, como tentaram explicar. Eu escrevi: quanto machismo. Já temos mulheres correndo 100 milhas há muito tempo e temos homens iniciantes na corrida também. Por que um evento separado pra elas? Eu acho que quando a gente aplaude isto, mais corda a gente dá para a sociedade machista. Para meu espanto, nenhuma mulher concordou comigo. Inquieta, fui no Google e busquei “ corrida só para mulheres” “machismo” e achei a sua reportagem. Acho que você me entende. Que bom saber que não estou sozinha, no entanto, se nem mulheres conseguem enxergar estas pitadas de machismo na sociedade, estamos longe, bem longe do chamado direitos iguais. Eu não sou briguenta de internet, não costumo fazer comentários quando não gosto de algo, simplesmente passo adiante, mas quando vi este post, não aguentei… achei que era um deboche, de fato, mas a maioria respondeu com coraçõezinhos achando o máximo a corrida pra mulherzinha frágil, sobrecarregada e que merece uma chance na trilha. Aff. Obrigada por ler meu desabafo, se puder me dá um oi 😉

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