Daniel Cohn-Bendit fala ao JQC

Paulo Vieira

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Daniel Cohn-Bendit, o Dany Le Rouge, é uma das grandes figuras do maio de 68, como ficou conhecido o movimento gestado nas universidades de Paris que culminou com a greve de 11 milhões de trabalhadores franceses naquele ano. Um dos estudantes que lideraram a, digamos, invasão da reitoria da Universidade de Nanterre, Cohn-Bendit mal ficou na França para ver a vitória nas eleições gerais do grupo de de Gaulle – ironicamente, o presidente francês que o movimento colocou em xeque. Cohn-Bendit só voltou ao país no fim dos anos 1990.

Com o tempo, Cohn-Bendit tornou-se militante do Partido Verde, eurodeputado e percorreu o mundo gravando documentários de corte sociológico e ecológico. Nos anos 80, com esse intuito, esteve no Pantanal matogrossense, ciceroneado por Fernando Gabeira. A experiência, expressa no livro “Nós que Amávamos tanto a Revolução” (Rocco), baratinho na Estante Virtual, mostra seu desencanto com os rumos da esquerda e da direita – e seus líderes.

E, como acontece com todo revolucionário que envelhece, ao menos aqueles que não envelhecem em reclusão, Bendit hoje é uma figura não propriamente célebre. No Brasil há exatamente um mês para mostrar o país da Copa, ele não sofre com assédio popular e nem mesmo de jornalistas – não li uma linha sobre sua presença no país. Ele passou por São Paulo, Rio, Ribeirão Preto, Brasília, Salvador e o interior da Bahia gravando pequenas reportagens em vídeo para o site do jornal Libération (além de boletins de rádio). As andanças também gerarão um filme de produção franco-alemã.

Alguns amigos, como Gilberto Gil, e personagens ligadas ao futebol, como o ex-jogador Afonsinho, dão as caras na Kombi, de nome Sócrates (em homenagem ao inventor da Democracia Corintiana), com que roda o país. As letras que desenham o Sócrates do veículo são grafitadas à maneira dos pixadores de São Paulo.

Em vários vídeos, contudo, não há ninguém conversando com o apresentador. E ele anda por cenários muito ricos, jornalisticamente falando. Já esteve na Cooperifa, na zona sul de São Paulo, onde acontecem os saraus de poesia e rap comandados por Sergio Vaz; na reserva da Barragem, em Parelheiros, onde vive o índio guarani que, ao deixar a cerimônia de inauguração da Copa, no Itaquerão, ostentou uma bandeirinha pedindo por “demarcação” da reserva – e cuja imagem a “Fifa censurou”. Em Luis Eduardo Magalhães, no oeste baiano, esteve sozinho, no meio de uma plantação de soja, para lamentar o cultivo da soja transgênica e desfilar números à Wikipedia de nossa produção.

Cohn-Bendit falou com o JQC.

JQC – Você tem rodado por lugares inusitados no Brasil, como na Cooperifa e em Parelheiros, no extremo sul de São Paulo? Há algum guia em seu trabalho?

Cohn-Bendit – Não há. Fizemos uma pesquisa na França e montamos nosso tour de acordo com nossos contatos com jogadores, políticos etc. No caso do índio da Reserva da Barragem, foi por ter visto a imagem que a Fifa não mostrou, na abertura, do índio guarani pedindo a demarcação das terras. Fiquei surpreso de que no Brasil não se falou disso. (O vídeo “A la recherche du guarani perdu, com o pequeno Jeguaká, está aqui).

JQC – Li uma entrevista sua a um site francês em que o senhor diz que os jogadores brasileiros são politizados. Não me parece que sejam…

Cohn-Bendit – Eu disse, na verdade, que o Brasil tem um grupo de exceção entre seus jogadores, e esse grupo, de jogadores politizados, já parece formar uma tradição. É uma exceção que não se vê muito em outros lugares. Vem do Afonsinho, que lutou por jogar de barba, ao Paulo André, do Bom Senso FC.

Cohn-Bendit e a Kombi com que roda o Brasil
Cohn-Bendit e a Kombi com que roda o Brasil

JQC – O que o tem surpreendido mais em suas andanças pelo Brasil?

Cohn-Bendit – Não digo que seja uma surpresa, mas o Brasil é o país da contradição. Ao mesmo tempo que os brasileiros amam a Copa no país, criticam severamente o governo por investir nela. É interessante ver pessoas ao mesmo tempo felizes e descontentes por isso. Mas isso reflete esse momento de contradição, que parece ter emergido com as manifestações de 2013.

JQC – Como vê a situação política do país e a polarização, que mais uma vez parece se desenhar, entre o PT e o PSDB?

Cohn-Bendit – O que acho incompreensível na política brasileira é a maneira como os partidos se aliam nos estados, diferentemente do que acontece em nível federal. (Eduardo) Campos está contra Dilma, mas tem um acordo com o candidato de Dilma no Rio, por exemplo (Nota do JQC: trata-se de um acordo de não agressão com Lindebergh Farias). Em outros estados, há outras alianças confusas. Acho bem difícil explicar essas movimentações e acho que elas tornam as coisas muito problemáticas.

JQC – Os partidos brasileiros buscam o apoio dos evangélicos, formam bancadas evangélicas, inclusive o Partido Verde, que já não tem mais Marina Silva, que é evangélica. O que isso parece expressar?

Cohn-Bendit – Acho que isso expressa apenas a realidade do Brasil. Os evangélicos são uma realidade, e isso de alguma forma se reflete politicamente. Uma figura como Marina, que tem uma agenda moderna, é também conservadora em diversos aspectos. O Brasil se equilibra entre a modernidade e o conservadorismo. Ao mesmo tempo que avança socialmente, também estimula setores que não tem comprometimento com agendas modernas, como o agronegócio. Creio que o próximo passo passe pela educação. Mas vejo com receio uma presença forte de um desejo de ‘american way of life’ no Brasil, um desejo de consumo. O melhor exemplo é a Globo, que estimula isso com sua concentração e programação.

JQC – Zé Dirceu, um dos nossos mais proeminentes líderes dos 60, hoje está preso por supostamente participar de um esquema de compra de apoio parlamentar quando ministro do governo Lula. Sem entrar no mérito deste caso, gostaria de saber, sendo algo simplorio: o poder corrompe?

Cohn-Bendit – Se isso fosse verdade, se houvesse esse link obrigatório entre poder e corrupção, todas as democracias estariam em perigo. Não dá para dizer, por exemplo, que o revolucionário é mais puro antes de chegar ao poder. A filósofa alemã Hanna Arendt já mostrou (no caso do criminoso nazista Adolf Eichmann, em “A Banalidade do Mal”) como podem ser relativos e flexíveis os conceitos de bom e mau.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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