A despedida

Paulo Vieira

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MARATONISTA DESENCANADO RICARDO HENRIQUE é um dos que chegaram à conclusão que a saída para o Brasil é Cumbica – Galeão, no caso. Ele troca o Rio e seu chatô na Barra por um squat em Berlim ainda este ano.

Vai ser difícil encontrar uma floresta tropical copiosa na capital alemã que lhe lembre minimamente seu campo cotidiano de treinos, entre a avenida das Américas 1000 e o Cristo. Por isso, sua última prova no Brasil, a Mara do Rio, domingo retrasado, foi especial.

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Ricardo correu os primeiros 13, 14K daquela mara em companhia do editor deste pasquim, o que talvez tenha ajudado a deprimir ainda mais o ritmo moderado do parça.

Foi uma boa hora e meia, talvez mais, trocando uma, ou melhor, muitas ideias.

Como diria Treinador, correr acompanhado é como ir ao bar sem beber.

Naquele mesmo domingo da maratona ele escreveu o relato que vai abaixo.

Te vejo logo menos nos jardins do Sanssouci, bruder.

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ERAM 6h40 quando eu e minha esposa saímos de casa. Na portaria do condomínio já estava o Paulo Vieira, que me disse que havia acordado às 4 da madruga e depois pegou um ônibus que cruzou a Rocinha ainda no escuro para chegar à minha goma da Barra bem antes da hora combinada.

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De carro, fomos até a largada na praça do Pontal, e assim que chegamos pudemos ver a turma da elite feminina cruzando a passadas largas o aglomerado da largada da geral.

Embora o Paulinho seja bem mais rápido do que eu, resolveu me acompanhar pelos primeiros 13K. Saímos do Pontal e fomos até a Macumba botando os assuntos em dia.

Na volta rumo à Reserva  aproveitamos a falta de concorrência nos banheiros químicos e fizemos uma parada estratégica.

Menos de um minuto depois já estávamos na pista. O Paulinho carregava uma câmera no pulso e registrava o que achava interessante. Íamos desenvolvendo pace na casa dos 5:30, 6… e conversando.

Era um causo atrás do outro, e uma hora passou voando.

A Reserva ladeada pelo mar e pela vegetação nativa perdeu toda a monotonia. Até o folclórico e ubíquo vendedor que aos gritos declara as ações conspiratórias mundiais passou batido.

Ao chegar à Barra o Paulinho manifestou sua intenção de apertar o pace e nos separamos. Três quilômetros depois foi a vez do tendão de Aquiles do meu pé esquerdo se manifestar, lembrando-me de uma pisada em falso de duas semanas antes.

Diminuí o ritmo e fui dosando na tentativa de fazê-lo se calar. No final do Pepê, por volta do 21 K, a dor ficou muito forte e receei ter uma lesão que me tirasse da prova e dos próximos treinos.

Na subida do Joá, porém, encontrei uma pisada que me permitiu prosseguir, só que por pouco tempo. Tive de parar e andar boa parte da descida.

No 25K não deu pra continuar: tive que andar, e bem devagar. A estação de metrô de São Conrado não ficava longe, e por muito pouco não abandonei a corrida.

Mas decidi que iria até o fim, levasse o tempo que fosse.

Veio então a subida da Niemeyer.

Entre trotadas e andadas as dores passaram para a outra perna – natural, foi nela que passei a contar e apoiar a maior parte do meu peso. Surpreendentemente, ao chegar ao Leblon já nos 32K, fui tomado por certa euforia e voltei a trotar com mais desenvoltura.

Fui assim até Copacabana quando parei para pegar uma banana e uns gomos de tangerina. “Parou por quê? Por que parou?” A parada me fez travar geral.

As batatas das pernas ameaçavam com espasmos e o tendão, o velho tendão, urrava. Reiniciei aquela discussão interna e o meu estômago resolveu entrar então na confusão, rebelando-se contra a banana esquentada pelo sol e pelo caldo morno da tangerina.

Os postos de hidratação estavam bem espalhados pelo percurso, mas depois do 20K foi difícil encontrar uma água minimamente gelada. O isotônico distribuído em sachês mantinha uma temperatura aceitável.

Na avenida Princesa Isabel meu corpo concedeu certa alforria e voltei a trotar. No 40K, na praia de Botafogo, corria a um ritmo de 6: 25. No Aterro, já no final, tendão e batatas das pernas iniciaram um motim, mas foram solenemente enquadrados num trote constante até a linha de chegada.

Essa foi a minha terceira Mara do Rio e devo dizer que toda a surpresa e prazer da primeira vez desapareceram. Foi interessante ver e ouvir corredores deslumbrados com a beleza do percurso, fazendo selfies a cada vista, agradecendo a Deus por aquele momento.

Ou, previsivelmente, dizendo que o Rio seria o paraíso se não fosse a violência.

É realmente muito difícil passar por toda essa obra da natureza, ainda mais em uma prova estafante, em que as emoções afloram, sem se sensibilizar. Não sei quando farei outra Mara do Rio, eu e minha família estamos de mudança para Berlim.

Na capital alemã vou correr a maratona local em 24 de setembro.

Acredito que por viver minha despedida do Rio, fui até o fim. Ter completado a prova em 5:32:04, segundo a cronometragem oficial, foi daquelas provações que o destino nos coloca só para testar nossa determinação.

Acho que o destino ainda não me conhece.

Obrigado, Rio!

 

 

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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