O doce custo da maratona

Paulo Vieira

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O COLABORADOR RALPH TACCONI, o monstro de Curitiba, estreou em nossos pixels ao relatar sua performance olímpica com um tênis comprado de véspera na mara de Berlim. Nas horas seguintes, avolumaram-se congratulações de leitores, algo raramente visto na história deste pasquim.

Destarte, ecce homo! Ei-lo de volta aqui, agora a problematizar o custo físico e o ganho psíquico – mas não só – da prova-fetiche de corrida de rua, a maratona.

RALPH TACCONI NA MARA DE BERLIM

IBERÊ DIAS: MARATONA, A CRETINICE FISIOLÓGICA

MARATONA, O FETICHE

MINHA PRIMEIRA MARATONA, VIVACE

MINHA TERCEIRA MARATONA, A PRIMEIRA QUEBRA A GENTE NÃO ESQUECE

MINHA QUINTA MARATONA: NINGUÉM VIRA NINJA POR TERMINAR A UPHILL

RUNNER’S HIGH

TELMA, EU NÃO SOU TARAHUMARA

É MUITO COMUM LER E OUVIR POR AÍ dos malefícios de se correr tanto por tanto tempo. Vira e mexe textos bem fundamentados sustentam que não fomos programados geneticamente para correr tanto.

Como amante e praticante das maratonas, venho pensando sobre o tema.

“A raça humana não evoluiu para correr longas distâncias”, dizem os estudiosos.

Minha réplica: e por que não evoluiu? Por incapacidade ou por não ter necessidade de correr tanto?  
Podemos pensar que nossos ancestrais não corriam 40K simplesmente por não precisar. 

Nem vou falar sobre o coitado do soldado grego Fidípides [N.d.E. cuja corrida até a cidade de Maratona deu, como se sabe, nome à prova-fetiche] que, a cada vez que é citado, ganha mais 50K em seu percurso fatídico.

Organismos se adaptam, melhoram e se aperfeiçoam com o tempo, mas é difícil saber se fariam coisas hoje de que não eram capazes há anos justamente por não terem tido necessidade de fazê-las.

No caso da maratona, é fácil apontá-la como um esforço excessivo. Os males são claros, perceptíveis.

Mas e se levarmos essa especulação a outro nível de entendimento, a relação custo-benefício

Posso citar vários aspectos positivos, a saber:

1. O treino para a maratona me obriga a praticar atividade física regular, o que, suponho, me mantém saudável.

2. O desafio que ela proporciona também pode ser salutar: trata-se de um exercício mental muito útil, que pode ser usado em outros aspectos da vida.

3. Quando concluída, produz uma euforia, o famoso “runners high”, o barato do corredor. Na maratona ele dura mais.

4. A recompensa. Você vai receber da maratona o que entregou a ela. O reconhecimento de seu esforço vem automaticamente, sem precisar de nada nem de ninguém.

Há ainda ganhos na autoestima, no estímulo social, no aumento da disposição, na melhora da qualidade do sono etc.

Sim, dá para ser saudável sem correr maratonas e, sim, há outras opções para exercitar a mente, mas na maratona concorrem fatores que vão da disciplina dos treinos à euforia da conclusão – euforia que só mesmo a maratona, pelo menos a mim, faculta.

Sem a prova, acho que não reuniria todos esses fatores de forma tão lapidar.

Sei que a maratona traz alguns problemas físicos e fisiológicos, mas o benefício é proporcional ou maior do que eles.

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Mas usemos outra linha de raciocínio.

Quando dizem que correr maratonas não é saudável, posso replicar: quem consegue ser saudável 100% do tempo?

Pois é.

Você pode encarar a maratona como um “dia do lixo”, conceito tão falado nas comunidades de nutrição – o dia em que você fura a prescrição de alimentação regrada. A festinha de criança, o churrasco de família, o jantar comemorativo.

É difícil se abster disso, pois isso significaria renunciar a prazeres interessantes da vida.

Esses eventos podem trazer para o corpo mais malefícios do que uma maratona, embora possam não ser tão perceptíveis. O custo de se empanturrar de brigadeiros pode ser tão ruim (ou pior) quanto as dores nas pernas na semana pós-maratona.

Até onde eu sei, não há danos irreversíveis para a saúde de quem acaba de correr os 42K. Como também de quem vai a um rodízio de pizzas celebrar um aniversário.

Nananinanina/Foto: 16:9clue/Flickr
Eis o custo da maratona/Foto: 16:9clue/Flickr

Eu não vou a um rodízio de pizzas, mas me dá imenso prazer consumir sobremesas lotadas de açúcar quando estou com todos os meus filhos reunidos.

E isso acontece esporadicamente, umas duas vezes por ano.

Há algum mal aí?

Definitivamente não vou deixar de vivenciar isso.

Encaro a maratona como um dia do lixo, um dia de se empanturrar de sobremesas supercalóricas.

Duas ou três vezes por ano, dou-me esse direito. Aceito castigar um pouco meu corpo, mas colho os frutos que vem da maratona.

 

 

 

 

 

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

4 Comentários

  1. Avatar
    Jonatan Dutra

    Belo texto! Muito bom o conceito de dia do Lixo para a maratona.

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  2. Avatar
    Marcel Rodrigues

    Ótimo texto! parabéns

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  3. Avatar
    Jean Francisco Zonta

    Com este pensamento q vou para a Maratona da São Silvestre!!!

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  4. Avatar
    Eduardo Trombini

    Belo Texto !
    Simbora pro proximo dia do lixo, aliás, qual lixo não vicia?

    Responder

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