CONTINUAÇÃO DESTE POST, publicado em 23 de junho de 2016.
SEMANA PASSADA iniciei o Manual Murakami para Ultramaratonistas Iniciantes com informações extraídas do dramático capítulo do livro Do que eu falo quando eu falo de corrida em que o célebre escritor japonês Haruki Murakami descreve sua singular experiência numa prova de 100K.
Foi a ultra do lago Saroma, em Hokkaido, no extremo norte do Japão.
Para minha total surpresa, o post foi recordista de compartilhamentos. Mistérios do Facebook.
(Ter molhado a mão da diretoria de patrocínio de posts talvez tenha ajudado, pensando bem.)
GINÁSTICA PARA A CABEÇA
CORRENDO COM ABRAMOVIC
DON JUAN E MURAKAMI
DON’T STOP ME NOW
DO QUE EU FALO QUANDO EU NÃO FALO COM O MURAKAMI
DO QUE EU FALO QUANDO EU NÃO FALO COM O MURAKAMI – PARTE 2
DO QUE EU FALO QUANDO EU NÃO FALO COM O MURAKAMI – SAIDEIRA
Pois vou já liberar um spoiler. O final deste Pequeno Manual é surpreendente e algo triste. O escritor diz ter contraído após a conclusão do 100K algo que chamou de runner’s blues, um sentimento que o fez perder um pouco a tesão de correr.
Pode-se dizer, também, que, ao concluir os 100K, ele vivencia algo muito próximo da morte, ou, ao menos, o caráter transitório da existência.
É uma paulada, mas eu não conto toda a história, pois encerro o Pequeno Manual intencionalmente numa chave melancólica, e Muraka deixa claro linhas adiante do mesmo capítulo que acaba por se recuperar do tranco.
Fico contudo com a opção Down by Law (pra quem não tem idade, mas tem YouTube: sad and beautiful world). E, de mais a mais, o livro, lançado no Brasil pela Alfaguara, segue solerte nas boas casas do ramo e sua leitura não exige exegese de exegetas picaretas.
Foi maus aí. Falei demais. Os grifos abaixo, novamente, são do editor deste pasquim.
Sobe o pano.
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A TRAVESSIA
“(…) Perto do 75K senti como se estivesse atravessando algo. Foi assim que me senti. Atravessando é o único modo que consigo expressar. Como se meu corpo tivesse passado incólume através de um muro de pedra.
O CORREDOR VIRA UM AUTÔMATO
Eu fora transformado em um ser no piloto automático, cujo único propósito era balançar os braços ritmicamente para a frente e para trás, mover as pernas adiante, uma de cada vez. Eu não pensava em mais nada. Não sentia nada. Percebi de repente que até mesmo a dor física havia sumido completamente.
Como estava no piloto automático, se alguém me dissesse para continuar a correr talvez eu fosse além do 100K. É estranho, mas no fim eu mal sabia quem eu era ou o que eu estava fazendo.
Isso deveria ser uma sensação muito alarmante, mas não foi assim que me senti. Nessa altura, correr adentrara o território da metafísica. Primeiro vinha a ação de correr, e acompanhando-o estava essa entidade conhecida como eu. Corro, logo existo.
A MORTE
Eu sou eu, e ao mesmo tempo não sou eu. Era assim que eu me sentia. Uma sensação muito tranquila, calma. A mente não era tão importante (…)
Em geral, quando me aproximo do fim de uma maratona, tudo o que quero fazer é acabar logo com tudo, e cruzar a linha de chegada o quanto antes (…) Mas conforme me aproximava do fim da ultramaratona, não estava de fato pensando sobre isso. O fim da corrida é apenas um marcador temporário sem muito significado. O mesmo se dá com nossas vidas.
Só porque tem um fim, não quer dizer que a existência tenha significado. Um ponto final está simplesmente determinado como um marcador temporário, ou talvez como uma metáfora indireta para a natureza fugaz da existência. (…) Eu apenas vagamente vivenciei a ideia, não com palavras, mas como uma sensação física.
A MELANCOLIA
(…) O efeito colateral mais importante de ter corrido a ultramaratona não foi físico, mas mental. Eu terminei com a sensação de letargia e, antes que me desse conta, me senti coberto por uma fina película, algo que desde então batizei de runner’s blues.
(…) Após a ultramaratona perdi o entusiasmo que sempre sentira pelo ato de correr em si mesmo. A fadiga era um fator, mas não o único motivo. O desejo de correr não estava tão nítido quanto antes.”