Na maratona de Berlim, com todos os ídolos

Paulo Vieira

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NÃO SEI QUANTAS VEZES NAS VÁRIAS DENTIÇÕES deste pasquim pisei o campo minado da autopromoção. Ora de maneira sutil, ora com intensidade pornográfica, o que na verdade não atenua nem agrava o dolo.

Uma simples busca do vocábulo “maverick” no campo apropriado da homepage deste JQC enceta telas e telas de posts – se ainda estivéssemos nos tempos do formulário contínuo, uma floresta teria de ser devastada.

(E eu me tornaria automaticamente candidato a ministro do Temer.)

CORRIDA É PRAZER

PARE DE USAR PLANILHA

OS ARCANOS MAIORES DA CORRIDA

A MARATONA DE BERLIM

INDEPENDÊNCIA OU PLANILHA?

Pois bem, este corredor maverick, que muito episodicamente usou planilha, que faz do primado do prazer o norte magnético, o eixo das abcissas da corrida, encontrou alguém que o coloca (não se engane com a terceira pessoa, sou eu!) em seu (meu) lugar.

Cinco maratonas, “personal best” de 3:34, pois sim.

Formado em ciências biomédicas e fisiologia do exercício, o analista de sistemas Ralph Tacconi, 38 anos, é, perto do editor deste pasquim, um queniano.

Embora tenha se iniciado no cascalho há apenas cinco anos, ele tem marcas grossas: sete maratonas – a oitava é domingo – com o recorde pessoal de 3:16…

…em Curitiba.

A meia também já correu abaixo do 1h30: 1:29, mais precisamente. Esteve em duas ultras, a mais casca-grossa delas de 70K.

Importante dizer que  tudo isso veio sem planilha. Só passou a contar com a dita cuja nos últimos três meses, depois de abraçar o triatlo e perder um pouco de rendimento na corrida.

Na gringa ele correu a mara de Buenos Aires e domingo faz sua segunda: Berlim.

E é exatamente para falar desse desafio que ele estreia neste JQC.

Que seja longa sua estada por aqui.

Evoé, cabra.

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EM ALGUMAS HORAS CHEGO A  BERLIM. No próximo domingo, um sonho se realiza: correr uma “major”.

Depois que virei gente na corrida de rua e comecei a vivenciar o universo das maratonas, é comum alguém perguntar sobre elas. Qual prefere? Qual não faria?

Glamour de Nova York? Tradição de Boston? Inovação de Tóquio? Londres? Chicago?

Minha resposta: Berlim.

Mesmo sem nunca ter pisado lá, a cidade sempre me atraiu.

 A Berlim da Prússia. A Berlim do muro. A Berlim de Jesse Owens. Do Führer. A Berlim da maratona dos recordes mundiais.

A Berlim quatro vezes conquistada pelo imperador etíope Haile Gebrselassie. O homem dos 27 recordes mundiais.

A Berlim de Paul Tergat. O rei queniano da São Silvestre daqui.

De Kimetto, atual recordista e o único homem a correr abaixo dos 02:03.

Do Bekele. Do Kipsang. Do Makau.

Até do nosso Ronaldo da Costa, ex-recordista mundial.

E neste 2017 há grande expectativa por um novo recorde.

Quatro atletas da elite que disputam domingo já ganharam lá. Dois quebraram o recorde mundial exatamente em Berlim: os quenianos Patrick Makau e Wilson Kipsang.

Além deles, estará o etíope Kenenisa Bekele, recordista dos 5 000 e 10 000 metros e vencedor do ano passado. Como se não bastasse, também corre o campeão olímpico da Rio 2016 e vencedor do desafio Nike Breaking 2, o queniano Eliud Kipchoge, que aparece como o grande favorito ao novo recorde.

Enfim, estar num palco com tantos mitos é algo que jamais passaria pela minha cabeça há alguns anos.

Já pensou em participar de uma partida de futebol com Cristiano Ronaldo, Messi e Neymar?

Ou estar no Madison Square Garden dando assistência para uma enterrada de Lebron James ou do Kevin Durant?

A corrida permite isso. Estar no mesmo evento com os maiores da história, seus ídolos.

Já sobre mim, não tenho expectativa de uma grande performance. Isso ficou em segundo plano diante do que estou prestes a vivenciar.

Vou sofrer, já está incluso no pacote. E como dizem, cada maratona é uma história. Essa será a maior de todas. A mais bonita, a mais emocionante.

E faltando 300 metros para a linha de chegada, no alto do Portão de Brandemburgo, viverei um encontro mitológico.

Hidra, a criatura tatuada em minha perna, aquela que perde a cabeça para ver nascerem duas, deverá, com mais de 40K percorridos, ter realizado esse ciclo diversas vezes.

E quando eu passar sob o Portão, encimado por Irene, a deusa grega da paz, e sua quadriga, pedirei paz cantando baixinho o palíndromo musical “Irene ri”, de Caetano Veloso.

Eu quero ir minha gente/

Eu não sou daqui/

Eu não tenho nada/

Quero ver Irene rir/

Quero ver Irene dar sua risada

Tudo que quero depois de tanta emoção e sofrimento naqueles intermináveis quilômetros é ver Irene dar sua risada.

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

3 Comentários

  1. Avatar
    Eduardo

    Muito bom o texto do Ralph. Parabéns !!!

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  2. Avatar
    Giovani

    Show! Ralph…parabéns meu camarada.

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  3. Avatar
    Saulo Thomaz da Silva

    Grande ralph, exemplo de vida e superacao … boa sorte lá e que os Deuses da corrida te acompanhem !!!! Abracao.amigo 🙂

    Responder

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