A crise no jornalismo (e no Palmeiras)

Paulo Vieira

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HÁ 20 ANOS – POR DEUS, 20 ANOS –, numa redação em que a perspectiva de se conseguir um computador para trabalhar era vista com o mesmo ceticismo com que se enxerga a expansão do metrô de São Paulo, Júlio Veríssimo desfilava.

Sub-editor de esportes da Folha de S. Paulo, ou “adjunto”, para usar um vocábulo da Barão de Limeira, ele falava alto, fazia piadas, sua maneira de acolher ruidosa e calorosamente a própria equipe e as das editorias vizinhas – como a nossa, a da Ilustrada, que ficava bem ao lado.

O professor nos tempos dos Campos Elíseos/Foto: Agência Folha
O professor nos tempos dos Campos Elíseos/Foto: Agência Folha

Sua desenvoltura na redação, onde ficou por 22 anos até 2012, talvez fosse similar à que exibia, e ainda exibe, na classe de aula. Desde 1989 Júlio ensina jornalismo na universidade Metodista, uma das mais tradicionais desse curso na região metropolitana de São Paulo.

NÓS QUE AMÁVAMOS O JORNALISMO

PROTAGONISTA DA PRÓPRIA HISTÓRIA

ERRAMOS, COMO SÓI ACONTECER

A CASA CAIU, E AGORA?

COISA DE NERD

ONDE INVESTIR SEU SEGURO-DESEMPREGO

O jornalismo mudou bastante daqueles anos iniciais da internet para agora. Hoje os computadores da Folha não tem jornalistas que os usem, e a própria ideia de haver um jornal cadernizado, setorizado, vem sendo colocada em xeque pela maneira rápida e “fast food” como as notícias são digeridas.

Há algum tempo queria ter o Júlio a falar sobre jornalismo neste pasquim, mas devo confessar que foi a derrota do Palmeiras para a Chapecoense ontem que acelerou as coisas.

Uma das frases dele na Folha, dita à guisa de vinheta sempre em decibéis muito acima do socialmente razoável, era justamente “Crise no Palmeiras”.

(Ele também gritava o sobrenome de seu imediato, invertendo-lhe a sílaba tônica, o que só não causava embaraço à vítima porque o Regis é sujeito muito safo.)

Um extrato da deliciosa conversa por telefone entre Júlio e o editor deste pasquim segue abaixo. Grifos por conta do último.

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O NOVO ESTUDANTE DE JORNALISMO

“Muitos jovens ingressam no curso de jornalismo com visão distorcida da profissão. Entram aqui [na Metodista] achando que vão sair repórteres ou comentaristas de esporte ou então apresentadores de TV. Homens e mulheres, que são em maior número.

Eles já vêm com esse sonho de trabalhar em TV, num canal fechado, uma ESPN da vida. Na nossa época para o cara virar comentarista de esporte tinha de gramar muito. Acho que somos, eu e você, de uma geração que na faculdade pensava um jornalismo mais transformador, eu queria denunciar mazelas, fazer uma bela reportagem. 

E, claro, os novos não têm mais como referencial o jornal impresso. Informam-se pelas redes sociais, que têm um filtro assustador. Além disso, se a web facilitou a vida de todo mundo, desestimulou a pesquisa – um clique e tem-se o que quiser.

Aí a curiosidade não é exercida. Muitos alunos não questionam. E o jornalista tem de ser cético, não pode achar que a informação que obtém é a verdade absoluta. A facilidade não desafia o estudante a procurar novos caminhos.

A LEITURA

Os estudantes de hoje têm domínio de língua estrangeira mas não de língua portuguesa. Isso interfere na formação. São poliglotas, mas não sabem usar crase. Acho que é reflexo da falta de leitura – não só deles como dos pais deles.

SENSO CRÍTICO

Acho que há uma perda de senso crítico, e isso não é um problema só dos estudantes de comunicação, mas de todos os universitários. Mas para exercer o jornalismo penso ser necessário um senso crítico maior. Eu e você não aceitávamos determinadas fontes, e hoje o jornalista come na mão dessas fontes, reproduz aquilo que interessa a elas. O Ministério Público não pautava o jornalismo nos anos 1990.

A METODISTA

A Metodista, que fica no ABC, tem essa característica de ter alunos das classes A à Z, filhos de metalúrgicos, bancários, e isso não mudou. Mas agora há um turn over (desistência e/ou cancelamento) muito alto nos cursos de comunicação. Um pouco disso se deve à crise econômica, outro à crise do jornalismo. Hoje há uma turma [de jornalismo] pela manhã, mas já houve tempo em que eram duas pela manhã e duas à noite.

JORNALISMO DE “CARICATURA”

O jornalismo, especialmente o esportivo, está muito contaminado pelo espetáculo. Quando o Cuca voltou para o Palmeiras [este ano], o Globo Esporte só falava da calça roxa dele. Agora é o Hernanes [do São Paulo] “profeta”. Parece que sempre é preciso inventar uma caricatura.

Acho que está faltando fazer a pergunta que a Ana Estela [de Sousa Pinto, ex-secretária-assistente de redação da Folha] faz no seu livro [Jornalismo Diário]: “E daí?” Isso é importante? A calça roxa é importante para você? Hoje há jornalistas que se consideram parte da notícia, vejo todo mundo falando da saída do apresentador do Jornal Hoje [Evaristo Costa]. Não acho que ele queria ser notícia, mas sua saída foi tratada como tal.

CRISE NO PALMEIRAS

O futebol é cíclico e, como diz o Tostão, o jogador de futebol, como qualquer outro profissional, tem momentos bons e ruins. Com isso, acho que o Palmeiras nem se classifica para a Libertadores. Pode até classificar, mas hoje só tem 10 pontos a mais que o São Paulo, primeiro da zona de rebaixamento.

Para fazer um time não é só ter dinheiro. O Flamengo teve aquele ataque [chamado de melhor do mundo] com Edmundo, Romário e Sávio e deu em nada. E uma hora a conta vem.

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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