É CHOVER NO MOLHADO, mas vamulá: sob todos os critérios o Rio sairia esmagadoramente vencedor numa hipotética disputa estética com São Paulo. Se as cidades se gerissem sozinhas, independente da vontade de seus habitantes ou da incúria de seus planejadores, é de se pensar que a beleza da Cidade Maravilhosa, de tão opressiva, de tão insofismável, trataria de criar ela mesma seus próprios antídotos.
Com São Paulo são outros 500 dólares. Sem qualquer pressão do mar ou da montanha, muito menos aquinhoado pela natureza que o Rio, Sampa trabalha no ponto médio. Não tem belezas a mostras nem tantos horrores a esconder. Em comum com o Rio, a capacidade de destruir a natureza em dois tempos.
Correr pelas duas cidades, de qualquer forma, é igualmente prazeroso. (Dado que correr é prazeroso). A extensão e o contínuo de parques aqui da Z.O. paulistana me faz pensar no Aterro do Flamengo. Como disse meu amigo e neoparceiro de cascalho Investigador, “o Alto de Pinheiros é a nossa Enseada de Botafogo”.
VAI CORRER? COMECE PELO COMEÇO: GOSTANDO DE CORRER
CORRENDO PELA Z.O.
A MARA DO RIO, UMA HOMENAGEM
CIDADE X CIDADE
CIDADE X CIDADE II
O PARQUE DO POVO WASP
EU, HEMINGWAY E TITIO RUY CASTRO
INVESTIGADOR VOLTA AO CASCALHO
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Um treininho de 22-25K por aqui pode incluir fácil fácil três bonitos parques (Villa-Lobos, Alfredo Volpi e Parque do Povo WASP) e ainda permitir uma entradinha na formosa Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira. E todas as ruas de ligação vão estar repletas de árvores enormes, tropicais como o chapéu do sol ou exóticas como a tipuana.
Mas não é de cenários idílicos para corrida que trato nesta postagem. A disputa SP x Rio se dá aqui no campo da música popular. O Rio, evidentemente, foi muito mais e melhor cantado, mas o foco vai para um único compositor, Billy Blanco, que, nascido em Belém, e portanto razoavelmente imparcial, cantou as duas cidades desta disputa, onde viveu.
Billy Blanco é o autor da Sinfonia Paulistana e, com Tom Jobim, da Sinfonia do Rio de Janeiro.
A Paulistana é uma obra longuíssima de que se recorda principalmente o verso “Vambora/ Vambora/ Olha a hora”, usado à guisa de despertador pela rádio Jovem Pan por longas décadas. Blanco morou em São Paulo nos anos 1940 e viu em cada paulistano um Borba Gato: “Porque durante a noite, paulista vai pensando/ Nas coisas que de dia vai fazer.”
A Sinfonia do Rio de Janeiro é muito mais curta e foi parida quase como uma epifania. Segundo conta Titio Ruy Castro em seu Chega de Saudade, ao finalmente se dar conta num determinado dia da beleza da paisagem de Copacabana que via ordinariamente de dentro do ônibus, Blanco, qual um cavalo de umbanda, recebeu o verso inicial “Rio de Janeiro, que eu sempre hei de amar/ Rio de Janeiro, a montanha, o sol, o mar.”
Com sua pena perita, Titio Ruy transformou a cena que se seguiu num pequeno thriller: tratatava-se da dificuldade de Blanco em preservar na própria memória o verso iluminado. Por isso tentou desesperadamente, num tempo em que não havia telefones públicos – e muito menos telemóveis –, telefonar para Tom Jobim. Claro que Titio Ruy teve de arrolar o português dono de tasca da anedota em sua reconstrução histórica.
Mas deixemos Titio de parte. Importa dizer que o Rio acabou por merecer uma poema quase ginasiano, com rima pobre, mas sem empolamento nenhum. Eis o verso seguinte:
“Festival de beleza/ Natureza sem par/ Rio de Janeiro que eu sempre hei de amar.”
Já São Paulo teve toda sua mitologia evocada, dos prodígios de Anchieta à intrepidez de seus violentos pais fundadores, os bandeirantes.
“Era tudo, era o nada rio acima/ Que o paulista no peito ia vencer/ Pra fazer mais Brasil do que existia.”
Moral da história: a julgar pela lírica das duas “Sinfonias”, o paulistano é quase um personagem de tragédia grega, cujo destino inexorável é viver uma vida de desbravamento, esforço e vanglória: um pobre Hércules sem tutano nem livre arbítrio.
Já o carioca, mesmerizado pela paisagem estupenda que o compunge a uma vida de indolência e contemplação, é um Jeca Tatu sem a esquistossomose.
Hora de atualizar essas sinfonias.