A Maratona do Rio – uma homenagem

Paulo Vieira

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Em julho do ano passado eu voltei a participar de uma prova, coisa que não fazia desde os anos 1980. Em posts anteriores comentei que gosto de correr sozinho, fora dos horários de pico, vendo o sol se pôr na Usp. Se fosse construir um personagem romântico com essa predileção, daria para pensar num Bruce Lee no fim dos episódios, só que na pilha.

Mas, como dizia, voltei a participar de uma prova. Foi a Meia do Rio, que começou lá no Pepê e terminou no Aterro. Itinerário conhecido de muita gente, sempre pela orla, magnífico. Houve um episódio estranho: larguei o carro muito longe, em São Conrado, e, com medo de perder o horário de saída, saí na carreira para o ponto de largada, que estava, imagino, a uns 3,5 quilômetros de distância de onde estacionei. O esforço cobrou um preço no final, e é isso que eu vou contar abaixo, reproduzindo um texto que publiquei no site da Runners na ocasião.

Antes disso, quero dizer que vacilei este ano. Demorei para me inscrever na Meia deste ano e, quando quis fazê-lo, já não havia como. Paciência. Vou correr a Meia do Rio de agosto, a tal da prova da Globo. Isto é, se ainda houver inscrição. Eis o que aconteceu na ocasião:

“O tênis nao foi meu principal problema, embora eu tenha saído com aquela ferida chata em cima do tornozelo e um calo logo abaixo do dedão direito. Meu principal problema foi condicionamento mesmo. Cheguei me arrastando, tendo quase desistido a dois quilômetros da chegada. Nao sei ainda meu tempo, cerca de duas horas certamente (o tempo, que vi depois: 1h58), mas sei que corri mais do que de costume (já explico), num ritmo mais acelerado, e sei também que vinha da pior dieta possível. Vou demitir meu nutricionista, que sou eu mesmo. O que eu comi no sábado todo de véspera: 8 maçãs enquanto dirigia entre Sampa e Rio e 4 sardinhas escabeche na Adega Pérola, de Copacabana. Agora, a corrida:

Antes mesmo de começar, a primeira trapalhada: larguei o carro em São Conrado, a 3,5 km da largada e, como era tarde, fui correndo. Ou seja: corri 24,5 km no total. Embalado por estar numa prova, saí do meu ritmo, puxando mais do que os habituais 5’30″/km. E nao dá pra dizer que os torcedores ajudavam, pois havia pouquíssimos naquela manhã de vento e chuva.

Até Ipanema foi surpreendentemente tranquilo, mas a coisa começou a se complicar no meio de Copa, quando comecei a calcular visualmente as lonjuras a enfrentar. O edifício do Hotel Windsor, o antigo Meridien, onde a gente vira em direção aos túneis para Botafogo tão longe…

Passado o segundo túnel, o sofrimento. Ansiava pela próxima placa de quilometragem, que nunca vinha. Minha cabeça não desconectava: não vai dar, não vai dar… Tudo começou a ficar ruim, uma batucada, alguém falando “vai, falta pouco”. Faltava, mas não ia dar.

E não deu mesmo. No km 19, entreguei os pontos e passei a caminhar. Na minha cabeça, o álibi: eu não completei correndo, mas teve aqueles 3k a mais antes de começar. Se alguém perguntar…
Por sorte, me senti o mais desgraçado dos homens, e achei forcas para enfrentar os 2k mais sofridos da minha vida, quando a chegada, em vez de se aproximar, parecia nunca mais vir. Andei apenas por 500 metros.

Cruzei arrebentado, só não evocando na mente as imagens da maratonista sueca bêbada de esforço (da Olimpíada de Seul, talvez) porque nada vem à mente nesse momento. Jeito meio estranho de meditar.

Se parasse abruptamente, como eu queria, desmaiaria. Foi o que disse o Nassif, um desses anjos da chegada, que me acompanhou andando por 5 minutos até a ameaça de tontura se dissipar.

Não queria, em nenhum momento, desde o momento da inscrição, dar a essa prova o significado de conquista pessoal, superação de limites, que isso quem merece são médicos sem fronteiras, professores vocacionados, cientistas e gente que consegue fazer aquilo que realmente quer da sua vida. Mas eu me senti um pouco assim, o homem da superação, quando subi no ônibus na Avenida Oswaldo Cruz e minha filha, no celular, perguntou se eu tinha ganhado.
A propósito, usei um tênis Nike preto que é até bonito, bem melhor que o velho Daytona, mas diante de um tênis de corrida pesa uma tonelada.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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