Corrida sem relógio

Paulo Vieira

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APOSENTEI MEU GARMIN CERCA DE UM ANO depois de comprá-lo, quando ele passou a dar pau na hora em que  é mais necessário – melhor dizendo, na única hora em que é necessário.

Que é exatamente quando seu GPS é acionado. Como se sabe, os satélites recebem a informação do nosso deslocamento e podem calcular, com certa acuidade, o ritmo de corrida.

Era só trocar a bateria, mas achei que não valia a pena ir até o primeiro chinês para conhecer meu ritmo de corrida. Afinal, eu sempre o intuí.

O que o bobo fazia era dar respaldo àquilo que eu mais ou menos dominava.

Se perdi a precisão dos quilômetros corridos – meu cálculo mental deve dar uns 15% de erro –, também passei a não precisar mais olhar para o pulso.

Não foi exatamente libertador, pois nunca promovi o relógio ao posto de grilhão.

NEM SEMPRE É MELHOR QUANDO TUDO FUNCIONA

A TOMTOM QUER O PULSO DO CORREDOR BRASILEIRO

CORRENDO SEM ELETRÔNICOS

TEMPO, TEMPO, TEMPO

É sabido, no entanto, que há corredores que criaram certa dependência do relógio, e se pudessem correr com um daqueles óculos abortados do Google com os números correndo ao lado da retina, tanto melhor.

Mas há gente que se serve principalmente do frequencímetro, uma preocupação louvável, já que se trata de baixar o ritmo quando os batimentos do coração passam do limite do bom senso. Nada, contudo, que a percepção pessoal não possa resolver.

Ao ficar sem o frequencímetro, o parça Ricardo Capriotti disse o seguinte em seu Instagram há um par de dias:

“E quando você sai para treinar, vai acionar o frequencímetro e… Volta pra casa? Pede um carregador emprestado para o primeiro sujeito que encontra? Senta na sarjeta e chora?

Não precisa nada disso, basta usar o frequencímetro que Deus te deu, a percepção subjetiva de esforço. Esse é o melhor meio para treinar as habilidades naturais que o homem vem desenvolvendo há milênios.

 

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E quando você sai para treinar, vai acionar o frequencimetro e… Volta pra casa? Pede um carregador emprestado para o primeiro sujeito que encontra? Senta na sarjeta e chora? Não precisa nada disso, basta usar o frequencimetro que Deus te deu, a percepção subjetiva de esforço. Esse é o melhor meio para treinar as habilidades naturais que o homem vem desenvolvendo há milênios. Aconteceu comigo hoje e fui obrigado a medir o quão difícil estava meu treino. A tecnologia é ótima, uma ferramenta indispensável em vários momentos, mas voltar às origens vez ou outra é uma benção. #Folego #CapriRun #caprirun2020 #coisalinda #corrida #corridaderua #marathon

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Aconteceu comigo hoje e fui obrigado a medir o quão difícil estava meu treino. A tecnologia é ótima, uma ferramenta indispensável em vários momentos, mas voltar às origens vez ou outra é uma benção.”

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De fato, voltar às origens, como diz o Capriotti, deve ser uma benção. Eu não consigo saber o que é isso, infelizmente, pois já devo estar nelas, as origens, há algum tempo.

Foi por correr à moda antiga, digamos assim, que pude registar o exercício que chamei de “corrida à Abramovic”, uma das experiências mais valiosas de todo o meu currículo endorfínico.

Trata-se de tentar registrar na memória, sem perder nenhum episódio, a sequência de acontecimentos, banais, regulares ou não, que acontecem durante a corrida.

Se possível, na ordem estrita em que aconteceram.

A treta exige bastante de sua capacidade de concentração, mais ainda do que da memória.

CORRIDA À ABRAMOVIC

Caso o querido leitor decida experimentar por sua conta e risco, o editor deste pasquim adoraria conhecer o produto.

Por isso, fica estabelecido desde já: o melhor relato de corrida à Abramovic enviada para nossa caixa postal será publicado aqui.

Mais: não apenas levará a eternidade de nossos pixels (e de todos os motores de busca); o autor será devidamente contemplado com um… relógio.

Foto da home: Dali outonal, obra de Hernán Reig

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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