Qual é o estado da arte do marketing? Criar um desejo, ou melhor, uma necessidade onde ele, ela, antes não havia? Ter de qualquer maneira um iPhone ou um iPad – e agora, com a derrocada do último, um relógio inteligente –, digamos?
Ou será que essa fronteira já foi superada e agora se fincam bandeiras no inconsciente do consumidor, e as marcas e produtos pululam também em sonho?
(Falar nisso, alguém, um promotor do Ministério Público, talvez, deveria dizer ao Silvio Santos que piscar os perfumes da Jequiti em imagens do tamanho de caixotes de bacalhau – os executivos tacanhos do SBT devem entender aquilo como “subliminar” – nas novelas infanto-juvenis da emissora é coisa que não se fazia nem nos anos 1970. Merecem todos ser expurgados, para usar um jargão de época.)
Tudo isso para dizer que de sábado para domingo a Nike surgiu em sonho para me convidar para um treino cujo nome seria “Treme Nike”.
Como sempre, a ideia era juntar uma pá de feinho para correr em algum lugar da cidade, não sei qual cidade, fazer um monte de fotos, encher as redes sociais. Eu respondi ao emissário telúrico:
– Mas eu gosto de correr sozinho.
Se pudesse editar o sonho, acrescentaria:
– Não sei comer sem torresmo.
Talvez esta história diga mais sobre mim do que sobre as estratégias da marca americana, mas algum impacto elas estão causando.
O CORREDOR CASMURRO
UMA CORRIDA LÍRICA E SOLITÁRIA NA USP
A DELÍCIA DA CORRIDA EM GRUPO
Embora correr em companhia sirva para atenuar o esforço – essa deve ser uma estratégia adotada em maratonas, pois tudo está na cabeça –, é difícil ter alguém a qualquer hora do dia para dividir o cascalho.
Ontem, domingo de sol em São Paulo, por exemplo, como achar um camarada disposto a correr por cerca de 2h30min, coisa que fiz sem itinerário pré-definido?
É A CABEÇA, ESTÚPIDO
A ESTRATÉGIA ABRAMOVIC
A ESTRATÉGIA MADADAYO
A MARATONA DE SÃO PAULO, VIVACE
A proposta era errar por aí, revisitando certos lugares. Saí então pela área fabril da Lapa, usei a galeria subterrânea do trem, logo cedo atulhada de camelôs – forró roots soava alto no cadafalso – para chegar à Lapa de Baixo, revi o cruzamento em nível da linha da CPTM da avenida Santa Marina.
Passado o campo do Nacional (que caiu ainda na primeira fase da Copinha), corri pela pista de 700 metros de uma praça estéril, cereja de chuchu no bolo do Jardim das Perdizes, bairro com prédios de alto padrão que não existia até outro dia.
ALGUMA COISA NÃO ACONTECEU NA IPIRANGA COM A SÃO JOÃO
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A MAIS PROUSTIANA DAS CORRIDAS
Esquadrinhei a Barra Funda e me servi da ponte da Casa Verde para atravessar o Tietê e ganhar a Braz Leme, onde toda a Zona Norte parece confraternizar aos domingos. Havia muitos corredores circundando o Campo de Marte.
Parte significativa deles cultivava o ato solitário.
Também abracei o Campo de Marte e passado o Sambódromo e de novo o Tietê, o cartão de crédito não se mostrou útil para eu conseguir água ou isotônico. Foi preciso correr mais 20 minutos pela São Paulo ferroviária para, nos bebedouros baixos do Sesc Bom Retiro, fazer minha primeira hidratação da corrida, já com 2h20min transcorridos.
Não é minha intenção aqui fazer um manifesto em defesa da corrida solitária – ter outro dia na USP a companhia de Fessô SX num 1h20min que passou num átimo foi luxo só –, mas não espere o WhatsApp soar para se lançar por aí.
A (re)descoberta da cidade é um prêmio que o maverick desfruta melhor.
Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço: passar 2h20min sem se hidratar é coisa de quem é ruim da cabeça – não necessariamente doente do pé.