Câimbra noturna

Paulo Vieira

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Uma vez um amigo dotado do que Santo Agostinho chamaria de “abundância de maldade” tripudiou de mim. A razão: diferentemente dele, eu era incapaz de sonhar colorido ou de voar durante meus sonhos. Não sei se disse a ele que meu subconsciente era especializado em imagens de carro sem freios ou em me fazer acordar de chofre para evitar uma queda iminente.

Mas disse, pra vencer a contenda, que às vezes sofria com câimbras noturnas. O tempo passou, e o regime não mudou. Se em vigília, elas são muito raras, à noite minhas câimbras são bem mais frequentes. Dir-se-ia que poderiam encher um calendário de parede de detento.

Foi mal: não chegam a tanto.

Há um dado particularmente terrível nas câimbras noturnas: você as pressente 10 segundos antes do coito e não consegue – eu, pelo menos não consigo – fazer nada para revertê-las. Na manhã seguinte, sua panturrilha fica dura feito um taco de beisebol.

Como semana passada sofri câimbra na panturrilha esquerda, aproveitei para conversar com o ex-atleta olímpico e hoje fisiologista do exercício e do esporte pela Unifesp Paulo Correia, da clínica NutriAtivo, para saber mais sobre esse intrigante fenômeno.

Jornalistas que Correm – As câimbras noturnas têm causas diferentes das que vêm com o esforço? O que as provocam?

Paulo Correia – A câimbra pode ser provocada por diversos fatores. Os principais são deficiência circulatória, desequilíbrio eletrolítico (carência ou excesso de eletrólitos: sódio, potássio, cálcio, magnésio etc.), esforço exagerado, desidratação; ou até por ficar muito tempo na mesma posição. Há também fatores patológicos que envolvem pessoas com síndrome metabólica (diabetes, hipertensão, alterações na taxa de colesterol). Também podem ocorrer a partir do uso de medicamentos diuréticos ou do abuso de alimentos e/ou bebidas que promovem a diurese.

Em todos os casos, a musculatura voluntária acaba sofrendo contrações involuntárias nas regiões mais afetadas ou mais solicitadas. Elas podem ocorrer durante o esforço ou logo depois. O processo do desequilíbrio eletrolítico, o mais comum, continua se o indivíduo não corrigi-lo. E assim irá sofrer do mal à noite.

Paulo Correia/Divulgação
Paulo Correia/Divulgação

JQC – O sujeito que é vítima de câimbras noturnas está pior preparado do que aquele que sofre de câimbras durante ou logo após o esforço?

PC – Se estamos falando de atletas ou corredores, as causas são iguais, salvo situações em que se dorme com partes do corpo tensionadas (mãos dobradas ou pés presos ao lençol, por exemplo). Mas não há relação de estar bem ou mal treinado. Estatisticamente, sabe-se que pessoas acima de 50 anos não praticantes de atividade física são mais suscetíveis à câimbra. Arriscaria dizer que são as pessoas que têm mais dificuldade circulatória.

JQC – Pergunta de caráter eminentemente pessoal: quem só sofre de câimbra noturna deve se preocupar?

PC – Não acredito que deva. A não ser que as medidas de correção das causas não surtam efeito.

JQC – Há algum conteúdo inconsciente nas causas da câimbra noturna?

PC – Pode ser. Se durante o sono o indivíduo tensionar um grupo muscular muito tempo, sofrerá desgaste estressante neste segmento muscular, podendo levá-lo à câimbra.

 

Paulo Correia ainda fez, generosamente, as observações abaixo:

– A causa mais comum da câimbra é o desequilíbrio eletrolítico. Para mais ou para menos. Pessoas que abusam de suplementos à base de sais minerais podem ficar em desacordo com a homeostase corporal e gerar câimbra.

– O consumo de bebidas alcoólicas tende a desidratar o corpo e, com isso, gerar perda de sais minerais e consequente desequilíbrio eletrolítico.

– Fumantes têm, além de todos os problemas conhecidos, um estreitamento das artérias que dificulta a circulação e a oxigenação. Este é mais um fator que leva às câimbras.

– Há ainda que se considerar a baixa temperatura. Mais um fator que pode dificultar a circulação e prejudicar o aporte de oxigênio. E levar à câimbra.

Mais sobre câimbra neste post.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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