”Morrer faz parte do jogo“

Paulo Vieira

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POUCO SE FALOU, na opinião deste pasquim, da morte do corredor de montanha francês Gilbert Eric Welterlin no pico dos Marins, de 2 420 metros, em Piquete (SP), uma das montanhas bastante conhecidas e exploradas da Mantiqueira.

Welterlin, que morava em Itajubá com a esposa brasileira, parou seu carro na base da montanha e acabou por não voltar do cascalho.

Apesar de ser uma trilha popular e autoguiável, o Marins tem o lúgubre histórico de uma desaparição famosa, a do escoteiro de 15 anos Marco Aurélio Simon, em 1985, cujo corpo jamais foi encontrado apesar do grande efetivo envolvido na procura.

O corpo de Welterlin, por outro lado, foi encontrado em 5 de maio após uma operação de busca que durou 20 dias.

Meu heroi, nosso heroi, o explorador Guilherme Cavallari, que conhece o pico do Marins e muitas outras travessias cabeludas da Mantiqueira, é crítico da cobertura da grande imprensa sobre esse tipo de evento e, mais ainda, quero crer, da opinião dos chamados “especialistas”.

Nessas horas os especialistas se irmanam aos não especialistas ao afirmar que jamais se deve encarar a montanha sozinho. Segundo Guimas, “morrer faz parte do jogo” nas atividades de natureza, e, destarte, não há problema de se enfrentar a montanha sozinho.

Welterlin/Foto: Arquivo Pessoal (Facebook)

Veja os principais pontos da entrevista do parça, concedida por telefone de seu paraíso particular de Gonçalves, na Mantiqueira mineira.

ACIDENTES SÃO COMUNS

“O Marins é uma travessia bem tradicional, popular. Mas, ao mesmo tempo, e isso talvez muita gente não saiba, acidente em montanha é comum. Não é algo de que se fale muito no Brasil pois aqui o montanhismo é inexpressivo, pouco gente o pratica. Às vezes basta uma pedrinha na descida para o corredor escorregar e quebrar o pé, como aliás aconteceu com você (N.d.E. Em 2014, o editor deste pasquim quebrou o pé correndo uma pirambeira com tênis minimalista na serra da Balança, em Gonçalves).”

FAZ PARTE DO JOGO

“Se o equipamento é ou não adequado; se o clima é ou não favorável numa travessia, é preciso lembrar que todos esses e outros elementos fazem parte do jogo. No contato com a natureza, há um risco envolvido, e se acidentar faz parte do jogo. E será que precisamos resolver mesmo a questão da segurança, como você capciosamente pergunta? Será que eu preciso envolver uma segunda pessoa se quiser explorar uma montanha?”

NUNCA ESTAR SOZINHO, SERÁ?

“Me incomoda a mídia não especializada e pessoas nas redes sociais começarem a argumentar que montanhismo é uma coisa muito perigosa, que só deve ser praticada por profissionais, que a montanha é ‘impiedosa’, ‘só para os fortes’, e que há uma ‘regra de ouro’, a de que não se deve praticar um esporte de aventura sozinho.

Considero-me especialista em esporte de aventura e desconheço essa regra. A atividade solitária pode ser fonte de grande prazer, de desafio, não vejo problema nenhum [em praticá-la solitariamente] desde que se aceite que morrer faz parte do jogo, que se machucar faz parte do jogo.”

TECNOLOGIA

“É possível explorar a natureza sozinho e ser monitorado durante a atividade. Há rastreadores via satélite que funcionam o tempo todo em qualquer lugar, basta uma pessoa entrar no site e verificar onde o usuário está, e, se for caso, acionar o botão de emergência.

Aí pessoas listadas, a polícia e os bombeiros recebem o SOS com a coordenada. Eu uso o dispositivo em várias das minhas travessias, mas há horas que sinto que ele cerceia minha liberdade. Não gosto da ideia de estar sempre sendo monitorado digitalmente.”

COBERTOR DE EMERGÊNCIA

“O cobertor de emergência de plástico é um equipamento muito leve, menos de 50 gramas, acredito, e dobrável, que reflete o calor do corpo e que pode significar a sobrevivência em uma noite fria. Acho interessante que todos o carreguem consigo, pois, se não permite que a pessoa durma ao relento, praticamente veda a possibilidade de hipotermia. Mas não acredito que corredores de montanha, que entram e saem de dia da natureza, o utilizem regularmente.”

Segundo reportagem publicada no UOL, Welterlin usava esse equipamento no Marins.

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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