Mãeratonista

Paulo Vieira

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Uma velha questão volta ao palco: como conciliar os treinos intensos de corrida com a maternidade? Com a palavra, Dagmar Caixeta, a jornalista corredora de Brasília que já completou a maratona do Rio em 5:25:59 – e você leu aqui.

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​Nas famosas promessas de fim de ano, cravei: em 2014 ou eu corro uma maratona ou me torno mãe. Como tenho Síndrome dos Ovários Micropolicísticos, enfrento problemas de fertilidade desde os 13 anos. De quebra, tenho de lidar com o “pacote” todo: sobrepeso, acnes (embora os 40 anos já batam à minha porta), excesso de pelos.

Como a gravidez não dá para ser planejada por eu não ter um ciclo regular, decidi que iria começar os treinos para a maratona, afinal eu tinha uma promessa a cumprir. Se a gravidez ocorresse nesse tempo, contudo, eu adiaria os 42K para quando desse.

A gravidez não veio até julho passado, quando então corri a mítica Maratona do Rio em 5h26, um tempo “vergonhoso” para tantos, mas não para mim, cuja meta era chegar – e chegar inteira.

Superada a Maratona, eis que em 11 de novembro eu e Norberto recebemos uma ligação da Vara da Infância e da Juventude de Brasília. Queriam saber se ainda tínhamos interesse em adotar, pois, passados quase cinco anos da entrada dos papéis, havia um casal de irmãos disponível dentro do nosso perfil (ele, 3 anos e meio; ela, 2 anos e 3 meses).

Won't you help to sing these songs of freedom?
Won’t you help to sing these songs of freedom?

Não tive tempo de pensar e, na verdade, não quis pensar. Conhecemos a história dos nossos filhos no dia seguinte e em 13 de novembro fomos apresentados pessoalmente.

Em 15 de dezembro, depois de um mês de ​convivência, fazendo visitas intermináveis ao abrigo, eles foram para nossa casa de vez. Ainda estamos aguardando o trânsito em julgado do processo, mas no nosso coração eles já são​ e sempre serão nossos filhos.

Minha vida tomou outro rumo, e tive que interromper treinos e corridas. Naquele momento, correr não era prioridade para mim, a despeito de eu ter sofrido de uma crise de abstinência de endorfina pesadíssima.

Sim, isso existe. Quando saía com as crianças para dar uma volta no lugar onde eu costumava treinar, meu coração doía. Pensava: Quando é que vou voltar a correr? Será que meus filhos vão “madrugar” para ir às provas? Será que terão paciência para esperar a mãe cruzar a linha de chegada depois de uma, duas ou três horas correndo?

(Nota do editor: veja isto, Dagma)

Devido a tantas mudanças, tive de cancelar passagem, hotel, aluguel de carro e perdi minha inscrição para a Volta da Pampulha de 2014. Seria a terceira vez que correria ali, mas, “fominha” ​– e mineira – ​do jeito que sou, garanti meu kit, que foi entregue para minha irmã, que fez a prova.

Pois bem, nos últimos sete meses eu treinei quando deu, mas de há muito venho “aculturando” as crianças para que, se acordarem e não me virem tão cedo em casa, entendam que saí para treinar. É lindo ouvir minha filha pedindo: “Mãe, amanhã posso ir correr com você?”.

Nesse tempo participei de apenas três corridas de “tímidos” 5K, e em todas elas meus filhos foram. Junto com o Norberto, sempre me esperam antes da linha. Garanto: não há preço nenhum que pague a alegria de vê-los correr para mim de bracinhos abertos para cruzarmos juntos a linha de chegada.

New kids on the block/Foto: Arquivo Pessoal
New kids on the block/Foto: Arquivo Pessoal

O único problema é na hora de pegar a medalha, que agora disputo com mais dois que querem pendurá-la no pescocinho. A última prova de que participei foi domingo: a corrida da Abrace, com a renda revertida para crianças com câncer.

Daqui pra frente pretendo fazer várias outras corridas, e meus filhos estarão em todas elas me esperando. Nesta semana, retomei minha rotina de treinos com o treinador André Jabur “Malvadeza”.

Dia 6 de dezembro estaremos todos em BH, para a Volta Internacional da Pampulha, aquela mesma que deixei de fazer em 2014. Seguramente, vai ser a mais linda de todas as Pampulhas. Sei que, depois da última curva da Lagoa e da igrejinha de São Francisco​ de Assis​, um dos meus santos protetores, terei três pessoas a quem amo infinitamente e que ​também ​me amam esperando por mim: meu marido Norberto e meus filhos Yuri e Isabela.

Pela primeira vez consegui cumprir as promessas de fim de ano. Em 2014, me tornei maratonista e mãe.

Agora sou uma mãeratonista.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

Um Comentários

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    André Edson Jabur

    Este slogan, parte de um anuncio publicitário de uma grande marca esportiva: “Imoissible is nothing”, serve de referência para quem se dedica a ser ATLETA: “Impossível é apenas uma palavra grande, lançada ao vento por homens “pequenos” que acham mais fácil viver no mundo que foi dado pra eles, do que explorar o poder que eles tem de mudá-lo. Impossível não é um fato. É uma opinião. Impossível não é uma declaração. É uma ousadia. Impossível é potencial. Impossível é temporário. O impossível é nada”

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