Let’s get high

Paulo Vieira

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“Às vezes um charuto é apenas um charuto”. A frase, atribuída a Sigmund Freud, me veio a cabeça há pouco, quando eu pensei pela primeira vez neste post. É que ontem eu listei alguns argumentos, bufos, reconheço, a favor de uma vida sem corrida. E hoje volto à carga falando de… bem, a seu tempo.

Mas como disse, ou melhor, não disse Freud: “Às vezes um charuto é apenas um charuto”. Sergio Xavier teria dito, menos metafórica e mais minuanamente: “Isso não sinaliza nada.”

Não sinaliza, por exemplo, que eu tenha exaurido os argumentos em favor da corrida. Pior: que eu tenha me iludido com a dita cuja, trocando aqui a casaca de arauto pela de detrator.

Absolutamente.

Tampouco um charuto
Tampouco um charuto

Mas devo dizer que o runners’ high de ontem, em pace forte após 11,5 ou 12K  – o Garmin não conseguiu ligar o GPS em 1 hora de tentativas -, não foi melhor que o pós-coito de quarta. As endorfinas não vieram trabalhar.

Me expresso um tanto figurativamente, algo bastante previsível para um jornalista que admira com sinceridade a pirâmide invertida. Pois bem, coito, no caso, quer dizer feijoada.

Sim, cavalheiros, finalmente achei a feijoada para chamar de minha, após anos de buscas infrutíferas pelos mais afamados sujinhos de São Paulo. O Chivito passou perto, a Dona Maria marcou pontos pela simpatia, o Mário é um clássico, mas a do Ugues não tem pra ninguém.

Digo isso e já oiço os trinados e os apupos costumeiros. “Ugues? Passou 2 mil caracteres pra falar o que todos já sabiam?”; “Foi com a farinha enquanto as cumbucas já se empilhavam na pia?”; “Surpreenda-me, por Deus.”

Peço perdão por estar uns 30 ou 40 anos atrasado, mas só fui ao Ugues, esse simples bar de Santa Cecília a meia quadra de Higienópolis, mas com as marcas claríssimas de caráter da primeira, incluídos aí os pedintes e os miseráveis, quarta passada.

A feijoada, apesar de cara, 30 paus, é um primor de leveza. Caldo copioso e pertences mais óbvios, o que para mim, que como carne muito episodicamente, é o calibre perfeito.

Julinho já falou melhor, claro, do Ugues aqui, quando ainda não tinha virado o melhor crítico de gastronomia do Brasil que é. Mas seu texto, ainda muito pouco sardônico, transpira sinceridade.

Na saída da feijoada ainda encontrei o Massinha, o Sergio Roveri, companheiro do JT dos tempos do vídeo do Setti, agora dramaturgo com duas peças em cartaz, uma “Medeia”, pra citar uma, e acabei me esquecendo de dizer que o café expresso também era muito do cacete.

Que boteco é esse, meu Deus, onde até o café mata a pau?

Com tudo isso, a chance de eu voltar lá amanhã para uma feijoada com cerveja é imensa, então o jeito vai ser encarar o longão logo cedo antes.

Vai ter de ser na superação, véi, vamo ter de ser guerreiro, mano, vamo pra guerra, meu camarada.

A propósito, Freud amava tanto seus charutos que disse o seguinte para seu sobrinho Harry, quando este completou 17 anos, como revela a biografia de Peter Gay: “Meu rapaz, fumar é um dos maiores e mais baratos prazeres da vida, e se você decidiu de antemão que não vai fumar, só posso lamentar por você.”

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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