São Silvestre, o filme que foi exibido ontem na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, mereceu do crítico Luiz Carlos Merten, do Estadão, a pecha de, quem sabe, o melhor filme brasileiro do ano. Um documentário à Koyaanisqatsi, em que não há diálogos, apenas música: Mahler, Wagner, Sibelius e até o tema do Saci do Sítio do Picapau Amarelo.
E a história, se há, é contada pelo próprio itinerário da mítica prova de todo 31 de dezembro. É a São Paulo vista ou sofrida pelos corredores que desfila pela tela, no ritmo de suas passadas. Seis corredores da assessoria Run & Fun carregaram câmeras, além do ator Fernando Alves Pinto, cuja câmera capta seu rosto durante a prova.
UM CACHACEIRO NA SÃO SILVESTRE
A SÃO SILVESTRE E AS VÍTIMAS DA DITADURA
MINHA PRIMEIRA MARATONA, VIVACE
ALGUMA COISA NÃO ACONTECEU NA IPIRANGA COM A SÃO JOÃO
Fernando, que não corre regularmente, havia treinado apenas uma vez os 15K, uma semana antes daquele 31 de dezembro de 2011. Mas o treino não considerou o peso que teve de levar nos ombros no dia SS, que calcula em cinco quilos.
A diretora Lina Chamie não o orientou a sofrer, mas seria difícil ser mais Stanislavski naquela situação, ainda mais sob tanta chuva. Fernando comeu o pão que o diabo amassou para terminar e temeu não conseguir completar a prova, hipótese que jamais havia lhe passado pela cabeça antes. Caminhou um pouco na subida da Brigadeiro. Cantou Adeus, Ano Velho e No Woman No Cry em momentos críticos para ganhar força. A chegada, excepcionalmente naquela edição, era no Ibirapuera, e a visão da Árvore de Natal foi-lhe redentora.
Após a chegada, a euforia expressa em seu rosto, captada por sua câmera pessoal, é, se a verdade tem nuances, 100% verdade. Estamos diante de uma hiper-saturação de verdade. Verdade digna de um bebê. Se usada por prosélitos, essa imagem faria os 7 bilhões de habitantes da Terra correrem a bandeiras despregadas assim que a vissem.
“Eu não corri mais depois, mas agora deu vontade”, disse o ator ao JQC logo após a exibição do filme, no vão livre do Masp. Fernando disse que se “superou” naquele dia, e acha que há, diferentemente deste colunista, “superação” sim no ato de correr.
Ter enfrentado a São Silvestre pode ter sido, então, algo mais exigente do que a própria recuperação do acidente que sofreu andando de bicicleta, sem capacete, em São Paulo, em 1996 – acidente que lhe valeu duas cirurgias, uma semana em coma e uma lenta retomada dos conteúdos de sua memória. “Aquilo não me traumatizou, mas traumatizou minha família, que não quer me ver chegar perto de uma bicicleta.”
Os corredores paulistanos temos razões de sobra para se emocionar com “São Silvestre”. E isso logo na primeira sequência, muito antes das câmeras de Chamie captarem a prova daquele dia 31. As cenas no Minhocão e no viaduto da Pacaembu, a selva de pedra hostil ao lado, soam incrivelmente familiares.
A câmera subjetiva capta a abnegação solitária de todos nós. Capta também nosso domínio sobre a cidade, quando parecemos ser um pouco heróis, maiores que carros, máquinas, passantes, capazes de absorver e deglutir a cidade de um jeito muito particular e intenso.
“São Silvestre” tem mais duas exibições na Mostra, dias 28 e 29. Um grande programa, mesmo para quem jamais correu na vida.
Maravilhoso filme e a garra do Fernando é algo comovente!!
Assim eu vi essa exibição:
São Silvestre sem pipoca http://www.webrun.com.br/comunidade/blog/home/id/18/idPost/2827/t/Sao+Silvestre+sem+pipoca
Colucci – @antoniocolucci
O filme é emocionante e o seu texto acima, Paulo, também. Parabéns.