Telefone sem fio

Paulo Vieira

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EM 1990, TRABALHEI NO DESAPARECIDO JORNAL DA TARDE, que nasceu vespertino e esteticamente revolucionário, mas, matutino naqueles tempos colloridos, tinha sua existência justificada apenas por propiciar mais papel subsidiado para a joia da casa, o Estadão.

Na editoria de Variedades, comandada por Edison Paes de Melo, éramos muitos, como convinha à ocasião. Edmar Pereira, Alberto Guzik, Angélica de Moraes eram críticos respeitados em suas disciplinas, mas o plantel de repórteres não ficava atrás.

NÓS, QUE AMÁVAMOS TANTO O JORNALISMO

PROTAGONISTA DA PRÓPRIA HISTÓRIA

AOS AMIGOS DEMITIDOS DE O GLOBO

A CASA CAIU, E AGORA?

ONDE INVESTIR O SEGURO-DESEMPREGO

Um deles era Mário Serapicos, uma figura curiosa, de uma ranzinzice quase anedótica. Não havia dia que não reiterasse o dito famoso sobre a brevidade do nosso negócio.

“Jornal serve para embrulhar peixe”, dizia.

Filho de feirante, devia saber do que falava.

A autodepreciação é uma qualidade bastante cultivada entre jornalistas, que, no entanto, sabem que o ofício pode ter sérias implicações, para o bem e para o mal. Mensalão e Escola Base, para ser sucinto.

Mesmo na época de embrulhar peixe e forrar gaiola, portanto, o que o papel aceitava também tinha o dom da permanência

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CORTE PARA 2016, REDES SOCIAIS etc. Até mesmo uma notícia indigna da permanência pode, por encontrar tantos e tão rápidos meios de propagação, fazer um estrago considerável.

Tomemos os ataques ao francês Philippe d’Encausse, treinador do recordista Renaud Lavillenie, que foi superado anteontem no salto com vara na Rio 2016 pelo brasileiro Thiago Braz, que ficou com o ouro da modalidade.

O treinador havia dito ao correspondente do jornal Le Monde no Rio, Anthony Hernandez, que o Brasil é um “país estranho”. A aspa no Le Monde é apenas essa, mas o jornalista decidiu que o treinador “inconscientemente pressentia forças místicas, talvez as do candomblé”, ao falar do “país estranho”.

Iansã segundo Carybé
Iansã segundo Carybé

O candomblé parece ser um tema para Hernandez, pois ele seguiu no assunto e viu a divindade que controla o vento e as águas segundo a religião como possível responsável pelas “condições climáticas difíceis” e pelo “vento poderoso” que soprava no dia da zebra brasileira da Rio 2016.

A questão é que a imprensa brasileira decidiu cair de pau no treinador pela alusão descabida ao candomblé. Ninguém se deu o trabalho de checar a “fonte primária” – o que estava escrito no Le Monde. Você pode ver aqui a reportagem, no site do jornal.

Quando queremos ser um enorme telefone sem fio, não há ninguém que nos segure.

A propósito, alguém precisa avisar ao jornalista Hernandez e ao Le Monde que não existe nenhum orixá chamado Lansa no candomblé. A pronúncia das oxítonas confundem os anglófonos, mas não deveria ser um problema para os franceses. Iansã é bem diferente de Lansa, como grafa a reportagem.

Se alguém do Le Monde estiver por aqui, fica a sugestão de correção.

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

2 Comentários

  1. Avatar
    Mário Serapicos

    Porra Paulão, quer dizer que eu era ranzinza? Estava errado?

    Responder

    • Paulo Vieira
      Paulo Vieira

      Não, você estava certíssimo, Mário. Um visionário.

      Responder

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