Especial maratona Nilson Lima – UDI, a mara das falsas subidas

Paulo Vieira

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DIZER QUE UBERLÂNDIA ABRAÇOU sua maratona, a maratona Nilson Lima, cuja terceira edição ocorreu ontem, seria usar um velho e esperado recurso estilístico de abertura, mas também contar uma inverdade.

Exigir que Uberlândia abrace sua maratona, o que nenhuma cidade brasileira, grande, média ou pequena, faz, seria desmedido com UDI, o segundo município mineiro em população, com seus quase 700 mil habitantes.

Além disso, se pesássemos com uma mão os 42K e com a outra a finalíssima entre o Praia Clube, o time de vôlei local, e o Rio, pela Superliga feminina, a Série AAA da modalidade no Brasil, ficaria pequeno para os cerca de 1000 corredores.

Mas é injusto colocar os dois eventos em oposição: os gritos de incentivo ao time de vôlei emitidos de dentro do ginásio Sabiazinho de alguma forma contaminaram os maratonistas num momento crucial da corrida, o 30-31K.

É mais pertinente ver uma sintonia entre os dois acontecimentos. A maratona, apesar de estar ainda em sua terceira edição, já é um evento nacional: segundo Luciano Moraes, da Apuana, empresa que organiza a prova, 50% dos corredores da distância eram forasteiros.

Trata-se, afinal, da única mara mineira até aqui. De fato era uma grandeza o que havia de, digamos, recifenses disputando-na ontem. Entre eles o popular Cracrá, que concedeu a Entrevista Suada que vai embebida em post oportuno deste Especial.

Contou como pólo de atração de corredores a presença em UDI do embaixador da lendária ultramaratona Comrades, o supervencedor Bruce Fordyce, que, por 1000 doletas, fez uma divertida palestra na véspera do evento. No dia seguinte correria em pace Comrades os 21K.

Sem mais preâmbulos.

A prova é toda disputada no asfalto, quase todo ele das principais avenidas da cidade. São pouco arborizadas, o que não consistiu empecilho na manhã de ontem, em que a temperatura deve ter variado de 18 a 24 graus.

Um maraturista exigente talvez sinta falta de uma ponte sobre o East, a visão de uma joia art déco ou das águas calmas do Potomac, mas a pujança de Uberlândia estava de qualquer forma expressa no trajeto – suas próprias largas avenidas.

UDI não é nada plana, e esse é, como Curitiba, seu traço de distinção. Havia subidas e descidas, uma bastante íngreme de 1K (6% de inclinação, segundo o site oficial) no trecho mais aprazível da prova, entre o 15K e o 20K, um condomínio fechado de chácaras conhecido como “Mansões do Aeroporto”.

Maratonistas ao final do evento diziam que o problema eram os “morros”. Deviam estar certos, pois, mesmo que jamais os víssemos, de tempos em tempos notávamos que havia algo errado com nossos quadríceps.

Também não dá para dizer que o forte vento contrário na altura do 25-28K tenha sido uma benção. Em alguns momentos era tão complicado avançar que aquilo me lembrou Hawke’s Bay, na Nova Zelândia, onde disputei minha terceira mara.

MINHA PRIMEIRA MARA, SAMPA

MINHA SEGUNDA MARA, SAMPA

MINHA TERCEIRA MARA, HAWKE’S BAY, NOVA ZELÂNDIA

MINHA QUARTA MARA, RIO COM SOL À PINO

MINHA QUINTA MARA, A DOS NINJAS DE ARAQUE, UPHILL RIO DO RASTRO

AS 195 MARAS DE NILSON LIMA

Para mim, de qualquer forma, a coisa ia razoavelmente bem até a hora da onça beber água, “The Wall”, que só foi aparecer para o editor deste pasquim tardiamente, lá pelo 38-39K.

Como Rio-2017, na minha quarta mara, comecei conservador demais, correndo em pace 5:30/6, pois queria acompanhar o anfitrião, Nilson Lima, que ontem corria sua 195ª maratona, vindo de um giro de 14 maras em 24 dias pelos Estados Unidos.

Boston, segunda-feira passada, a seis dias de UDI, foi a cereja de sua american paste.

E como em Uberlândia, sua cidade natal, ele é mais popular que a Fê Garay, lá pelo 14K meu corpo, mais do que minha cabeça, decidiu voltar para o ritmo conhecido, e me desgarrei.

Foi quando apareceu a primeira grande subida da prova, o tal 1K nas Mansões do Aeroporto.

A partir daí os quilômetros se passaram sem grandes ocorrências. A hidratação era bastante razoável, e a carência de isotônico (havia só um posto) não me pareceu um problema – a bebida desceu, aliás, quadrada como leite de magnésia.

Não me incomodaria se distribuíssem algumas bananas no meio da prova, mas elas ficaram para o kit-medalha.

Nilson Lima (centro), nos 42K da prova que leva seu nome, em Uberlândia

Até o 32K vinha bem, em ritmo regular. E é exatamente nessa hora murística que a corrida ingressa no parque do Sabiá, principal área de lazer da cidade, colado ao ginásio onde as heroínas do vôlei animavam Uberlândia.

Ali éramos jogados num 5K que seriam agradabilíssimos não fosse uma falsa e constante subida. No mais, estar no meio dos corredores e demais usuários do parque era uma sensação agradável, por ser algo que jamais voltará a acontecer em provas em São Paulo, por exemplo, mas ao mesmo tempo inquietante. Seria mesmo por ali o caminho?

Para complicar, havia um problema com as placas. Cometia clara publicidade enganosa a que, logo à entrada do parque, anunciava aos maratonistas que faltavam 8K para a chegada. Porque mesmo depois de completarmos os 5K do Sabiá e corrermos mais um pouco lá fora, veio a que informava faltar 4K até o final.

Não era realmente uma boa notícia.

A cabeça patinou, considerando aqueles míseros 4K intransponíveis ou, mais do que isso, inconcebíveis.

Se caminhar por 500 metros fosse motivo de exclusão do panteão de maratonistas arrivistas do Triângulo Mineiro, eu jamais pertenceria a esse panteão.

Mas foi só esse meio quilômetro, e não há – espero – de consistir nódoa moral irreversível essa caminhada para quem, como eu, tem no prazer o norte geral do cascalho.

Os 2, 2,5K que se seguiram até que não foram tão difíceis, e nos últimos 50 metros mandei o superego às favas. Ou quase. Não esperei que os espectadores estendessem seus braços para os três ou quatro high-fives que ganhei: eu mesmo, tendo o esquerdo esticado, levei-os a isso.

Na largada, conversando com o Nilson, devo ter demorado dois ou três minutos para sair, o que faz da minha corrida, a julgar pelo que marcava o placar na chegada, um 3:50 baixo.

Seguramente não é um primor de performance, um tempo que me coloca, quando muito, no curral espiritual dos pangarés esforçados.

Mas saí, e é essa a grande notícia, com as minhas pernas, se não intactas, pelo menos capazes de lidar com as 75 baldeações exigidas pelo novo sistema rodoferrometrosifuviário que leva a Cumbica.

Felizmente, às 16h30, hora que meu avião pousou, a estação Aeroporto já havia encerrado o expediente, e o esforço de caminhar 2K mais tarde entre a estação de trem Lapa e minha casa foram amplamente recompensados pelo queijo quente com 600ml de cerveja na padaria Natalina, no meio do caminho.

Perguntas que não querem calar: quando e onde será a próxima?

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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