COMO TANTAS OUTRAS PESSOAS, a paulista de Araçatuba Satie Kimura começou a correr sem qualquer ambição, incentivada por colegas de trabalho. Seria uma atividade bem-vinda para quem precisava combater o sobrepeso.
Aos 51 anos de idade naquela época, ela ainda não imaginava que em menos de uma década a corrida a levaria a Berlim, Amsterdão, Valência, Viena, Roma, Punta del Este, Lima, Mendoza, Cannes, lugares fora do Brasil onde disputou maratonas.
Talvez também não se visse palmilhando estradas nos mares de morros de Minas, onde correu sua até aqui única ultra, de 55K, na pequena cidade de Inconfidentes.
Em 2018, quando completa 60 anos, Satie tem novos desafios. O principal deles é a disputa da ultramaratona mais antiga e conhecida do mundo, a Comrades, que em sua 93ª edição, em junho, faz o trajeto rumo Durban.
É o sentido “down run”, de cerca de 89K, que, no entanto, não está imune a subidas – pelo contrário.
Como preparação para a Comrades, ela colocou os 42K da mara de Boston, apenas Boston, fetiche do fetiche do fetichista-mor, o maratonista; e, como regenerativo, irá correr a mara de Chicago, em outubro.
Satie segue a planilha preparada pelos parças da assessoria esportiva Pacefit, não gosta de fazer treinos de intensidade – já teve uma contratura muscular num teste de esforço de 20 minutos – e, dos quatro cascalhos semanais, pelo menos dois são na esteira.
Satie vem correndo três maratonas por ano, em média. Em 2017 debutou em Viena, esteve na SP City – a “Suada” embebida abaixo mostra nosso encontro por volta do 13K – e ainda prestigiou Sorocaba, em que fechou com 4:37:27, dez minutos acima do tempo da mara paulistana.
Ela agora busca “consistência” para fazer confortavelmente a Comrades, bem abaixo do tempo de desclassificação da prova, 12 horas, reduzindo o número e a duração das caminhadas.
“Quando a gente começa a caminhar numa corrida, o corpo não quer saber mais de correr.”
Satie fala sem qualquer afetação de seu currículo de atleta, como se correr o que corre fosse a coisa mais natural do mundo.
Tirante os enormes custos de viagens e inscrições e o difícil equilíbrio das agendas doméstica e profissional, talvez seja normal mesmo. Sabe bem quem frequenta o mundo das corridas que seu caso não é daqueles raríssimos, não se trata de um LP do Walter Franco ou do Tom Zé que ninguém tem.
A corrida tem dessas coisas.
Diferentemente da mãe que corre, Satie não tem filhos, o que certamente a ajuda a viajar para correr – ou a correr para viajar – tanto.
Quando a gente pergunta a Satie se em seu círculo íntimo alguém se admira de seus feitos como corredora, ela faz um pequeno esforço mental.
E prefere falar da irmã, que tem 75 anos, a quem mostrou as maravilhas do cascalho.
“Mas ela só corre montanha, bem devagarinho.”