Marcos Paulo Reis: “Valoro quem faz esporte para a vida toda, não quem faz um desafio e se diz ninja’’

Paulo Vieira

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EDUCADOR FÍSICO FORMADO pela UERJ, treinador da delegação brasileira de triatlo nas olimpíadas de 2000 (Sydney) e 2004 (Atenas), Marcos Paulo Reis, 53 anos, é um dos difusores da corrida de rua no Brasil.

Sua MPR, uma das assessorias esportivas pioneiras do país, é sempre associada à competitividade, mesmo que afirme que cerca de 40% de seus 1400 alunos buscam ali “qualidade de vida”. Mas a mais vistosa vitrine são os corredores amadores que “performam” e podem ostentar marcas superlativas, abaixo de 3 horas na maratona, por exemplo.

Numa conversa de uma hora na sede da empresa, em São Paulo, Reis surpreendeu o editor do JQC ao revelar que está preocupado com o que vai acontecer com seus alunos “daqui a 15 ou 20 anos”; também contou que já sofreu síndrome de pânico, e que “ter completado a maratona em Londres de nada adiantou” no tratamento.

Por fim, passou uma receita moderadíssima de corrida para quem deseja seguir na ativa pelos tais 15 a 20 anos (link abaixo).

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Leia os melhores momentos da entrevista.

DEVAGAR SE VAI AO LONGE

“Ter uma meta é importante, mas mais importante é correr a vida toda. O que me preocupa é saber como o aluno vai estar em 15 anos. Quantos já fizeram maratona e hoje não correm mais, quantos fizeram Ironman e não nadam mais? Aí não há legado, acho legal quando vejo um velhinho de 80 anos nadando 1 000 metros na piscina do clube.  Valoro quem faz esporte para a vida toda, não quem faz um desafio e se diz ‘ninja’.”

SOFRIMENTO, O FETICHE

“Existe exagero nessa valorização do sofrimento, a maratonista que chegou se arrastando [a suíça Gabriele Andersen, nos Jogos de Los Angeles, em 1984] já disse que sente uma puta vergonha daquilo. Eu brinco que o maratonista esquece que tem família, filho, ele quer seguir em frente, mesmo que no 35K esteja tonto, enjoado. Ele vê todo mundo batendo palma e não quer parar. Mas é preciso entender os sinais. Se não tá bem, se tem dor de cabeça ou enjoo, encosta, espera ali.

O maratonista acha que tem o corpo fechado, mas tem o mesmo preparo físico do cara que caminha todo dia, é igualzinho.”

MARATONA, O FILHO

“Acho que o cara que vem à MPR a fim de se preparar para uma maratona busca convicção, a convicção de que vai terminá-la. O que faço é passar segurança, conhecimento e tranquilidade. Muita gente quer resolver o problema [de terminar a maratona] antes de começar, quer controlar o futuro. Eu digo: ‘não tenho isso na prateleira’. Maratona é como um filho, tem início, meio e fim, pode ter lesão, resfriado no processo. Você treina por 16 semanas e depois vem o parto, que pode ser a fórceps.”

PÂNICO E A MARATONA COMO UM MAU REMÉDIO

“Não tenho vergonha de dizer que tive síndrome do pânico há três anos e decidi correr a maratona de Londres para ver se resolvia. Não ajudou nada. Completei e continuava sentido medo. Tinha combinado com meu filho de encontrá-lo no 21K, no final fiquei preocupado se iria vê-lo ou não, aquilo acabou virando tensão.” 

COMPETITIVIDADE

“A competitividade está no DNA da MPR, mas não me interessa saber se o cara é sub 4 ou sub 3, eu gosto dos bons resultados, gosto de ver como o atleta se organizou para fazer a coisa bem feita. O cara chega aqui, e, com o treinamento, eu o ajudo a se equipar. É como um carro, colocamos som, tweeter, módulo, roda de magnésio. Eu digo a ele ‘vamos tentar’, mas também pode ser ‘vamos ficar por aqui’.

A PARADA DA FISIOLOGIA

“Acho que meu legado é mostrar para o atleta a parada da fisiologia no corpo dele. Como ele tem de correr, de voltar [mais lento], de progredir, do que acontece no calor. Peço exame pra todo mundo, mas não tenho como entrar na vida da pessoa. Sou muito preocupado, pois a corrida tem riscos. Uso as ferramentas [relógios, frequencímetros] para saber até onde o pulso pode ir, o ritmo…  Há cada vez mais novas formas de medição, a cadência da passada, a mecânica da corrida, é preciso se escutar para evoluir.”

O NOVO ATLETA

“O que a gente aprendia nos livros era para o atleta de competição. Tive de reaprender para lidar com vocês [atletas amadores]. Quando cheguei a São Paulo em 1989 os caras corriam todo dia, ninguém usava gel, isotônico. Não sou um cara de Harvard, mas acho que consigo dizer o que vai acontecer dentro de uma prova. Passo segurança e conto histórias – boas e ruins – do que já vivi.”

MEDALHA, MEDALHA, MEDALHA

“Você, Paulo, diz que maratona é fetiche, mas eu digo que maratona é sonho. A questão é que é o brasileiro precisa lembrar de fazer a maratona para ele – não para o Instagram. O americano mal terminou já tira a medalha, aqui não. Eu digo: ‘curte isso, completar a prova é do caralho, vamos tomar cerveja, tomar vinho, entender esse história’. E o sujeito pensando que podia ter sido 2 minutos mais rápido.”

TREINAMENTO VIRTUAL

“Tenho contato físico com 50% a 60% dos meus alunos, os demais online. Gente de Brasília, Salvador, Recife, Teresina. Tenho 200 mensagens pra responder que por conta desta entrevista vou deixar para amanhã. Vejo os caras de Teresina, aqui nego reclama de estar 30 graus, lá eles acordam às 4 da manhã, senão é treino a 40 graus. São uns herois. Como eu avalio esses caras? O pulso tá sempre alto, há um cansaço, tá sempre calor, é foda.”

O POLIMENTO QUE NÃO HOUVE

“Como treinador eu tento ser bacana e educado, educado dentro da minha forma, tem hora que eu erro, trato mal, me arrependo. Mas não tenho medo de me desculpar. Às vezes eu gostaria de ser ainda mais duro, mas o sujeito tem filho, é casado, vou gritar com ele? Tenho ótimo relacionamento com meus melhores atletas, como a [triatleta] Mariana Ohata. Não sou cara de quebrar varinha, mandar tudo a merda. Gosto de ver algo ser cumprido, se não via isso ficava inseguro.

No começo da MPR, logo depois de chegar a São Paulo [vindo do Rio], eu podia ter sido mais polido, tratar melhor, ter um pouquinho mais de tato. Era minha energia de querer resolver logo o problema.”

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

Um Comentários

  1. Avatar
    Antonio Jose Neto

    Em Teresina, sábado passado (16/09), começamos as 4:00 da manhã .
    Já estamos acertando este mesmo horário para sábado dia 23/09.
    É uma forma que encontramos de fugir deste calor que nos abrilhanta neste período historicamente chamado de BRO-O-BRO (uma referência aos meses de outuBRO, novembrO e dezemBRO).

    Responder

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