CORRIDA NÃO É SACRIFÍCIO, é prazer, já dizia alguém que usa um IP destas bandas, e a feliz sentença ganhou contrapartida prática hoje pela manhã quando, após cerca de 60 minutos do mais puro e solitário cascalho, encontrei Gesu Bambino, lui-même, vestido com o manto branco desta cada endorfínico-editorial.
CORRIDA NÃO É SACRIFÍCIO, É PRAZER
É PRECISO DESRESPEITAR A MARATONA
PARE DE USAR PLANILHA
COMO NÃO CORRER A MARATONA DE NOVA YORK
A MEIA DE NOVA YORK – I DID IT MY WAY
CORRIDA NÃO É GUERRA
UM DIA PERIPATÉTICO
SÓ OU ACOMPANHADO?
AS LIÇÕES DE DON JUAN E MURAKAMI
A partir daí, com o pace muito mais leve para nele acomodar o homem que flutuou sobre Nova York na maratona de um par de anos atrás, corremos por 40 ou 50 minutos trocando a mais linda e fiada das conversações.
Foi tão boa a charla que não consigo nem lembrar direito o itinerário plain que desenhamos na velha Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira ou, para usar o cacófato dos burocratas da USP, na CUASO.
Sei que certa hora vencemos a temida subida da Biologia, tendo Gesu Bambino a atropelado sem mais aquela, como nos bons tempos em que ele, alguns bons quilos a menos, ainda era conhecido simplesmente como “cabra”.
**********************
É muito louco quando a corrida vira esse luxuoso pano de fundo da mais refinada das artes, a conversa. Nesse momento, essa sensacional atividade física parece realizar todo o seu potencial – e não só social. O vinho sem vinho, a cerveja sem cerveja, a movida sem álcool.
Segunda-feira foi um pouco diferente. Me encaminhava para encerrar os 12 ou 13K ordinários do fim de tarde de horário de verão no parque Villa-Lobos, sempre um momento mágico do dia, quando um desconhecido, supostamente animado com meu pace – um pouco abaixo do 5, quero crer –, passou por mim feito um queniano e, mais à frente, desacelerou.
Então adernou para a trilha de terra, meu caminho de sempre pelo parque, e me esperou. Quando o alcancei, ele controlou o pace, que eu passei a forçar. Por 500 ou 600 metros, o companheiro de cascalho foi dono do ritmo, um Hermes contemporâneo, não deixando que eu ultrapassasse.
Naquele singletrack estreito, ficávamos a uma distância de menos de meio metro um do outro. Quase auscultávamos o batimento cardíaco do companheiro. Foi impossível não puxar conversa, e isso coube a mim, dado que ele parecia feliz com o silêncio quase material da insólita situação.
Disse ele que corria naquele dia cerca de 20, 22K e que um dia, quem sabe, pretende correr uma maratona. Quase não quis saber nada de mim. Respondendo minhas perguntas, disse que “gostava de correr acompanhado, o que era difícil” e que eu “mandava bem”.
Completamos mais uma volta de 4K pelo parque, e ele ainda me convidou para mais um giro. Recusei referindo meu compromisso, verdadeiro, o treino funcional da manhã seguinte.
É muito provável que nos encontremos outra vez pelo VL, especialmente se ele, o parque, permanecer gratuito, a despeito das ameaças de privatização/cobrança de ingresso, e certamente correr com o Elivélton, se não me engano o nome do parça, vai ajudar bastante no aumento da qualidade da minha corrida: o cara puxa que é uma maravilha.
Se a semana começou com exigências de ritmo inesperadas, eu quase a fecho com provas cabais de que correr em pace confortável, abaixo do ritmo normal, muito abaixo do ritmo “Elivélton”, portanto, abaixo do “ponto”, para usar o lindo ensinamento de Don Juan a Castañeda, significa ter autonomia para correr por muitas horas.
Tendo a crer que, se tempo tivéssemos, eu e Gesu Bambino estaríamos correndo até agora.
A moral da história é que a corrida é uma atividade do grande e luminoso carvalho. Não a conspurque com exigências desmedidas.