Perdendo-se (mas não muito) em terra estranha

Paulo Vieira

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DESCARTES, O RENATO, já dizia, salvo engano nas Meditações: se você está perdido, siga sempre em linha reta, pois em algum momento a saída, a orientação, a encruzilhada, vai aparecer. Espera-se que isso se dê não muitas horas depois de a sensação de se estar completamente perdido passe a dominá-lo por completo.

Não há lugar mais improvável de se perder do que Manhattan, onde, exceto na curta região ao sul da ilha, a Downtown, todas as ruas que cortam o distrito no sentido leste-oeste são numeradas a partir do sul, da Downtown rumo Harlem. Exemplos: 23th street, 86th street.

Já as (poucas) ruas que cruzam a ilha no sentido sul-norte são chamadas de avenidas (3rd Avenue, 5th Avenue) e têm numeração crescente a partir do leste, do Rio que separa (ou une?) Manhattan do Brooklyn e que muito apropriadamente e num zelo quase irritante, chama-se Rio Leste.

Certamente estou chovendo no molhado, pois todos aqui já bateram perna por Manhattan, se não suando para completar as míticas 26,2 milhas, pelo menos gastando bastante energia e nosso combalido real para encher malas e malas de bugigangas.

Eu/Foto: Peter Ward/Creative Commons
Eu/Foto: Peter Ward/Creative Commons

Mas se perder no Brooklyn já não é tão difícil, e foi isso o que se passou comigo algumas horas atrás. Diferentemente de ontem, hoje estava mais malaco para achar o Prospect Park, e nele adentrei com cerca de 5-6K de corrida. Para isso, desde meu endereço  na Myrtle Avenue, eu precisava seguir, grosso modo, rumo sudoeste.

A volta é que foram elas, pois acreditando que já tinha subido suficientemente na direção norte, fui cada vez mais para leste. Muito para leste e nem tanto para norte.

UMA CORRIDA NO BROOKLYN

MEU HEROI, NOSSO HEROI

TRANSPATAGÔNIA, O FILME

ONDE CORRER E COMER FRUTA NO PÉ (EM SAMPA)

Com cerca de 15K de corrida, parei numa deli da Broadway Avenue para comprar frutas e tanto o proprietário de feições orientais e inglês bastante exigente para ouvidos como os meus e o cliente afro-americano presentes me indicaram a direção correta.

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Nada do que relatei aqui teria o condão de colocar minha integridade física em risco, ainda mais com 20 dólares ainda razoavelmente secos num dos bolsos do calção. Mas imaginemos que isso se passasse no meio de uma trilha na Mata Atlântica.

Aí é bom contar com algumas habilidades de GPS. Não  que minha intenção fosse fazer publicidade dos cursos ministrados por Nosso Heroi Guilherme Cavallari, o homem que cruzou de bicicleta o confim do mundo, mas tenho certeza que a capacitação em GPS que ele provê na Serra da Mantiqueira, no começo de novembro, é do grande carvalho.

Mais informações você encontra no site da KALAPALO, a editora/albergue de montanha/centro de difusão de conhecimento de Cavallari em Gonçalves, na Mantiqueira mineira quase jordanense.

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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