Com emoção

Paulo Vieira

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TENHO DITO PARA as três ou quatro pessoas que me seguem neste pasquim que difícil não é terminar uma maratona em 3:34, como eu fiz na fornalha paulistana de domingo passado.

Manter o pace 5 (1 K a cada 5 minutos) praticamente do começo ao fim dos 42K é café pequeno diante da seguinte situação: correr essa mesma maratona por 4h30, 5 horas. Se eu sofri com o calor às 11h, que diria a Nena Jardim, que terminou a prova às 12h40?

E o que falar do Zé Alves, um dos quenianos da pizza, que durante a prova, sua estreia em maratona, sentiu uma dor na perna que o levou às lágrimas?

Ainda bem que o Zé não tinha de trabalhar na pizzaria naquele domingo.

A Nena começa.

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“Se alguém te disser “vai”, não vá. Um dia recebi uma ligação de um grande amigo parceiro de corrida. Já tínhamos feito várias provas juntos, várias meias. Mas nunca uma maratona. E ele convidava para correr a Maratona de São Paulo.

Disse: “Vamos”. Inscrição feita, restava-me treinar. Como eu e meu amigo morávamos em cidades diferentes, treinávamos sozinhos, e cada um mostrava o tempo para o outro. Mas eis que meu amigo é  transferido para os Estados Unidos.

E não voltaria mais ao Brasil para correr a maratona comigo.

Pronto! Era só eu e eu. Uma amiga maratonista então me disse para eu não me preocupar com tempo – o importante era chegar.

Treinei, treinei, treinei, treinei, mas não sabia se aquilo tudo seria suficiente.

Domingo passado acordei 5 da manhã, tomei café, segui para o Ibirapuera. Não tinha mais jeito, o negócio era virar maratonista. Tinha isso na cabeça, eu queria muito.

Às 7h30 havia muita gente na largada, temperatura de 30 graus. 42K pela frente. Eu, meio perdida no meio da multidão, contando apenas com os amigos que faria, pois sempre faço amigos ao longo dos quilômetros. Por isso que eu gosto de correr, sempre conheço pessoas do bem.

E, de passo em passo, os quilômetros ficam para trás. Eis o que se passou comigo:

10K – Estava tudo bem, embora eu ainda não soubesse muito bem por que queria tanto estar ali. Sempre fazia os 21K da meia e ficava satisfeita. Mas acho que eu queria me conhecer mais – e talvez eu conseguisse isso se completasse os 42K.

21K – “Ainda faltam 21K!?!”. Ok, vamos fazer esses 21K novamente.

24K (fim da prova do pessoal das 15 milhas) – O povo dizer “Gente, olha a maratonista”: não tem preço.

30K – Achei que morreria. Achei que eu não saía do lugar.

31-33K – Três quilômetros que nunca acabam. Mas quando vem o 33K algo estranho ocorre. Surge uma força – agora só falta 9. Ouço alguns “Vai, guerreira”. Que delícia.

35K – Uma certa anestesia, uma sensação de satisfação que só os corredores conhecem. Na minha cabeça não penso que faltam sete para o final, mas sim cinco para eu entrar nos 40K.

40K – Explosão de alegria. Logo virá o funil e a torcida a nos esperar. O corpo está cansado, mas a gente está forte.

42,195K – Com 5h10, 34 graus de temperatura, chegar não significa chegar. Algo me diz que estou pronta agora para viver. ”

Agora é a vez do Zé.

Zé (de branco, agradecendo), passa com 4:52
Zé (de branco, agradecendo), passa com 4:52

“Eu estava muito ansioso. Comecei muito bem, tanto que só consigo pensar que algo de diferente aconteceu apenas no 29K. Nesse quilômetro, parei no posto de hidratação para buscar uma água mais gelada, mas aí na hora que fui voltar a correr…

…mal conseguia mexer a perna direita. Uma dor no joelho me impedia de seguir.

A ideia de que com aquela lesão eu não concluiria a prova, prova para a qual eu tanto treinei com meus colegas da 1900, me fez chorar.

Andei por dois quilômetros, peguei um pouco de gelo, pus no joelho.

E voltei a andar mais rápido e, percebendo que era possível, intercalei a caminhada com a corrida.

No 37K vi que dava para voltar a correr sem dor. Chorei de novo, dessa vez de alegria, sabedor que eram só mais 5K para chegar até o final.

Fiquei impressionado com a quantidade de corredores recebendo atendimento médico, mas fiquei feliz de ver tanta gente completando a maratona em ótimas condições.

O outro parceiro da pizzaria que se inscreveu na maratona, o Zé Daniel, não conseguiu terminar. No 24K sentiu câimbras e parou.

O que posso dizer é que estou muito feliz de ter completado a maratona de São Paulo. Já tinha respeito pelos maratonistas, agora esse respeito aumentou. E que venha a próxima maratona!”

 

 

 

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

Um Comentários

  1. Avatar
    Nena Jardim

    Uns me chamam de maluca. Outros de guerreira. E eu sigo vivendo a minha felicidade de correr 42.195 km. Sim, eu vou correr outra maratona!

    Responder

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