O médico proibiu que eu lesse os jornais e visse o Datena todos os dias. Que eu mantivesse apenas um desses vícios, e com parcimônia.
Fiquei com os matutinos, que me divertem mais.
Como não se entusiasmar com o humor involuntário do editorial que a Folha de S.Paulo estampou ontem em sua primeira página? Usou seu recurso mais extremo, mais extravagante, mais histriônico; e o dia mais nobre da semana, quando aparentemente as pessoas ainda cogitam pegar o jornal nas soleiras de suas portas e lê-lo, para sugerir o impeachment da presidente/a.
Mas em vez de ser claro e assumir logo uma postura lacerdista, sem papas na língua, de discurso direto, o jornal prefere a voz passiva e o enredo de tragédia grega, em que um destino inexorável se sobrepõe à perfídia dos protagonistas.
No clímax, o editorial, cheio de dedos (lúbricos), transfere à presidente/a a responsabilidade pelo próprio pedido de impedimento: “(…) O país, contudo, não tem escolha. A presidente Dilma Rousseff tampouco: não lhe restará, caso se dobre sob o peso da crise, senão abandonar suas responsabilidades presidenciais e, eventualmente, o cargo que ocupa.”
Waal! Gostaram do “eventualmente”?
Permitam-me fazer uma rápida exegese. Creio que eles queriam dizer: já está mais na hora de a nega pegar o boné, mas vamos dar uma chance, mais uma, sejamos generosos; caso ela não consiga fazer este xis e este ipsilone, vai ficar pequeno pra ela.
E o sujeito da oração sempre oculto. Como diziam os professores de cursinho, “mim não faz nada”.
Mas nem era disso que eu queria falar.
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O que eu queria falar é que, na semana passada, um “Erramos”, a popular seção de correções da página 3 do jornal, foi bem compartilhado nas redes sociais, muito mais que a peça de latim tacanho pró-impeachment. Era um daqueles de antologia, com oito erros fatuais para uma única matéria.
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O que chamou atenção, além do acúmulo de tropeços, foi o Erramos ter identificado o autor da reportagem problemática, algo incomum na seção, mas estratégia corrente desde 2011, adotada em casos em que a falha é considerada “grave”.*
A matéria, sobre a Rainha Elizabeth II, publicada em nobre página ímpar de domingo, mereceu na realidade dois Erramos consecutivos, talvez para não assustar o leitor.
Previsíveis comentários no Facebook apontaram para a decadência inexorável do jornalismo em geral e da Folha em particular. Mas ninguém se lembrou de saudar o jornal por preservar o Erramos teúdo e manteúdo – mesmo que, às vezes, por razões menos objetivas.
Infelizmente, erros de orientação editorial, prioridades estranhas, títulos que forçam a mão ou até são desmentidos pelas matérias que eles deveriam resumir – erros que certamente são mais danosos para o leitor que aqueles que estrelam o Erramos – não são objeto da seção.
De toda forma, ao lançar luz sobre alguns dos seus erros, embora os mais burlescos, a Folha ainda presta um serviço muito mais cidadão do que toda a concorrência.
Autocrítica não é a coisa mais bem distribuída na imprensa brasileira. Se considerarmos então as nossas pobres revistas, vixe.
Veja aqui uma antologia de Erramos da Folha com curadoria da própria Folha.
*Versão anterior deste post demonstrava ignorância cristalina do editor deste pasquim eletrônico sobre a mudança do Erramos, que, a partir de 2011, passou a identificar os jornalistas que assinam matérias que ensejam as tais correções “graves”. Peço perdão aos leitores.