Quando tempo é o que menos importa

Julia Zanolli

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“Vai correr para quanto?” Se você costuma usar essa gíria do corridês e acha que o tempo que leva para completar uma prova é a medida suprema do seu sucesso na corrida, nem leia este texto. Ou melhor, leia e descubra que cronômetro às vezes não vale nada.

O relato abaixo é do corredor e jornalista Antônio Barbanti, que trabalha na ESPN e participou da Meia Maratona de Buenos Aires neste mês. A superação de uma lesão e a homenagem ao pai fizeram os 21K na capital argentina valerem muito mais do que qualquer número no relógio.

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Funciona mais ou menos assim.

Você está treinando, fazendo o trabalho de base, alternando longos e tiros. Para conseguir cumprir a planilha você acorda para treinar enquanto tem gente saindo da balada, dribla o trânsito, se troca no carro, aproveita a subida do elevador para se alongar.

Está com a alimentação balanceada e até quem sabe experimentando aquele suplemento novo prescrito pela nutricionista. Complementa o treino com pilates, e ainda tem que conciliar estudos e família. Ao mesmo tempo planeja as corridas que pretende participar.

No dia da prova você estará ali preparado, 100% pronto para a largada, certo? Certo mesmo? Sabemos que nem sempre vamos para o ‘grid’ do jeito que gostaríamos. Foi a febre na semana anterior, uma semana mal dormida, a festa de casamento no sábado, o café da manhã que não desceu bem, aquela dorzinha aparecendo…

Eu já tive a chance de fazer inúmeras provas de 10K, algumas delas como guia de PNEs – portadores de necessidades especiais – fiz também provas de média e longa distância. Modestamente, em nenhuma delas fui para largada com alguma preocupação séria sobre concluir a prova. Focava em fechar a distância em determinado tempo e 99% das vezes eu terminava dentro da meta proposta.

Após um bom tempo sem participar de competições (mesmo mantendo os treinos) aproveitei uma promoção de voos para Buenos Aires e de quebra me inscrevi na meia maratona do dia 7 de setembro. Uma prova de 10K seria ideal para a ‘volta’ mas estava totalmente descompromissado. Iria para visitar uma amiga recém-casada e os 21K seriam um ‘a mais’ da viagem, acontecesse o que acontecesse.

Não bastasse estar sem ritmo de prova, poucos dias antes da corrida apareceu uma contratura na panturrilha esquerda. Dá-lhe cortar treinos e dá-lhe agulhas do mago australiano Tim Dean (australiano que utiliza diferentes técnicas de  massagem em conjunto com a acupuntura.  Já curou  lesões minhas como panturilha, fascite, etc…)

No domingo fui para a largada na Avenida Alcorta sem ter a mínima ideia de como seria meu desempenho. A perna tinha melhorado mas ainda sentia. Como pretendo ainda participar de corridas de mais de um dia como o ‘Cruce de Los Andes’ e ultramaratonas, decidi correr, qualquer eventual dor seria mais um teste. Procurei abstrair do tema lesão e o clima, literalmente, ajudava. Manhã linda com um solzinho frio, perfeito para correr, mais de 20 mil atletas, com alto astral e música boa rolando.


Péééénnnnnnnnnn.

Largada! Qual a estratégia? Mais do que concluir ou não a prova a preocupação era também não correr o risco de agravar a lesão. Sendo um percurso plano, a ideia seria encaixar um ritmo (lento) mas que fosse (bem) confortável, com passadas curtas para não ficar estendendo o músculo. Para não ser influenciado, corri sem relógio propositadamente; queria mais tentar “ouvir” o corpo do que ver minutos e segundos passando. Em caso de quebra o plano B era sair da prova e pegar o metrô mais próximo de volta ao hotel.

 Nunca tinha largado nos “fundos” da corrida. O clima de descontração amplificada pela maciça presença de brasileiros (mais de 2 mil segundo a organização) ajudou a desencanar mais ainda.
1 quilômetro… 5 quilômetros… Já em San Telmo, na metade da prova, cheguei aos 10K!

 O isotônico já tinha sabor de comemoração. No quilômetro 15, começou uma dor na sola do pé direito, provavelmente por ter jogado mais peso nessa perna involuntariamente. Mudei a “entrada” do pé no chão umas 2 e 3 vezes e “click”, a dor passou. Finalmente, a partir dos 18 tive a certeza de que terminaria a prova. A alameda cheia de árvores estava cercada de familiares incentivando, fotógrafos e já se ouvia música da organização na chegada.

 Foi só curtir a endorfina e vibrar muito, com mais conhecimento do corpo e mente e terminando uma experiência excelente vivida na Argentina.

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Se você achou que ele ia revelar o tempo de prova no final, pode esquecer…

O tempo? O tempo para mim dessa vez não teve a mínima importância.

Após superar esses 21 quilômetros eu cheguei mais perto de uma pessoa que pela primeira vez me levou para participar de uma corrida, quando eu tinha apenas 14 anos. Em dezembro de 2012 ganhei do meu pai uma camisa para correr. Algum tempo depois ele partiu e prometi que na primeira corrida eu estaria com o presente. Pelas ruas de Buenos Aires cheguei mais perto dele. Obrigado pai. Obrigado a todos que me ajudaram e me ajudam a cada quilômetro.

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Julia Zanolli

Julia Zanolli começou a correr em nome do bom jornalismo quando foi trabalhar na revista Runner’s World sem entender nada do assunto. A obrigação virou curtição, mesmo depois de sair da revista. Se livrou do carro para poder andar a pé pela cidade, mas é fã assumida de esteira. Prefere falar de comida do que de nutrição e acha que ter tempo é muito melhor do que matá-lo.

2 Comentários

  1. Avatar
    Isabela Pimentel

    Só quem corre com o coração sabe que o tempo pouco importa! Parabéns, Antonio!

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    • Avatar
      Antonio Barbanti

      Obrigado Isabel. Já fiz corrida com a “faca nos dentes”.
      Com a idade percebemos valores em muitas outras coisas além de passadas rápidas. Bons treinos !

      Responder

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