Sérgio Xavier e sua receita para enfrentar a oitava maratona: beber vinho e cerveja (e treinar de vez em quando)

Paulo Vieira

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Esta certamente é uma máxima ultrapassada de RH, mas se o bom chefe deve ser um modelo a se espelhar, he’s the guy. Sérgio Xavier Filho, diretor do núcleo na Editora Abril que abriga Viagem e Turismo – onde esta semana vivo meu 146º fechamento -, Quatro Rodas, Placar e Runner’s, vai para sua oitava maratona este ano. Treina com assiduidade irritante, consegue manter-se estimulado a enfrentar os 42K todos os anos e, mais importante, sequer cogitou abandonar o vinho ou a cerveja. Publisher da Runner’s World Brasil, é autor também de 2:43:50 Operação Portuga (Arquipélago Editorial), onde conta a história de alguns corredores amadores malucos que perseguem o inacreditável tempo do Portuga descrito no título. Ele falou ao JCQ.

Jornalistas que Correm – Você sempre faz uma maratona por ano? Ou duas? Como as escolhe? Quais já fez?
Sérgio Xavier Filho – A ideia é fazer uma maratona por ano. Vou para minha oitava este ano: Berlim. Fiz Porto Alegre (2004 e 2011), Disney (2007), Paris (2008), Nova York (2009), Chicago (2010) e Amsterdã (2012). Uma das razões para eu fazer a maratona anual é o “maraturismo”. Minha mulher acha divertida a história de ter um “projeto anual”. E o próprio treinamento da maratona faz parte da viagem. Trabalhamos em tantos projetos, a maratona é o projeto pessoal.

Vestindo a camisa com gosto
Vestindo a camisa com gosto

JQC – Já abandonou alguma? Já chegou acabado? Já refugou? Qual seu melhor e pior tempo?
SX – Acho muito baixo-astral abandonar, ainda que tenha pensado seriamente em fazer isto em 2011, quando senti câimbras no km 25. O pior tempo foi o da primeira, 4h23: corri devagar em Porto Alegre ainda que sem caminhar. O melhor foi o de Chicago, 3h30min. “Quebrei” na Disney (4h01) e em POA em 2011 (4h09). E cheguei esgotado em Chicago e Nova York (3h37) e Amsterdã (3h38). Faltou uma? Sim, a minha melhor maratona, que foi Paris (3h36). Não foi o melhor tempo, foi a melhor sensação, cheguei com sobra e por isso eufórico.

JQC – Como foi a transição da meia para a maratona? Foi difícil? Foi demorado? Quando sentiu que era possível?
SX – Na corrida, as transições sempre assustam. Quem corre 5k acha “muito difícil” correr 10. A turma dos 10K acha absurdo pensar em meia. Bobagem. São transições extremamente fáceis se houver um aumento lógico de volume de treino. A passagem da meia para a maratona é diferente. É um degrauzão mesmo. Basicamente porque não fomos feitos pra correr tanto. Um amigo diz que nenhuma prova deveria passar de 30k. Faz sentido. Muita gente encontra um muro nos 30, 32 ou 35 da maratona. Falta carboidrato, potássio, sódio, pernas. O problema não é fôlego. Carbo, potássio e sódio a gente repõe com gel. Perna, só com treino e, de preferência, alguma musculação. A transição é complexa mesmo. Precisamos de oito a doze semanas para sair de um treino longo de 20 para 30 ou 32K. Não se recomenda fazer um (treino) longo muito maior do que 32 para não desgastar demais o corpo. E esse treino não é garantia de uma maratona sossegada. Para resumir tudo, a maratona é uma provinha de 12K. Tudo o que interessa é o que se faz dos 30 aos 42. Os primeiros 30K são só o caminho para se chegar à “prova”.

JQC – Qual teu treinamento semanal? Faz preparação específica para maratona ou a rodagem te permite correr tranquilamente?
SX – Depois de correr sete maratonas, ler e escrever um bocado, cheguei à conclusão de que volumes muito altos de treino não ajudam muito. É mais importante treinar bem do que treinar muito. Ou seja, colocar mais treinos de velocidade e resistência com velocidade na programação semanal. Cheguei a treinar 60 quilômetros por semana, mas acho que 35 a 40 funcionam melhor e desgastam menos. Claro que na semana dos longões maiores vamos aos 50 por semana. Mas isso acontece em duas, no máximo três semanas.

JQC – É possível correr maratonas sem treinar com planilhas? Dá para simplesmente ter um pace, conhecê-lo e cumpri-lo?
SX – Tudo é possível. Tem gente que pode fazer uma bela maratona sem planilha. Mas esta figura é uma exceção. Para a imensa maioria, é preciso um plano evolutivo. Sem contar que a chance de lesão é enorme. As lesões geralmente acontecem por duas razões: erros de postura (e com repetição de movimento as dores vêm) e aumento rápido de volume de treino. Sobre o pace constante, sim e não. Uma planilha inteligente tem ao menos um treino de ritmo (o tal pace constante) e um treino de variação de velocidade. O bom é ter dois treinos destes intervalados na semana, aliás. A evolução vem da variação. E com evolução é mais fácil aumentar distâncias com o mesmo pace conhecido.

JQC – Não correr provas seria um desestímulo? Você correria com a frequência que corre hoje se não fizesse provas?
SX – Correr ou não provas é algo muito pessoal. Cada um tem uma espécie de motivação. Já fui muito dependente de provas. Precisava ter sempre uma medalha pra buscar. Hoje, menos é mais. Já corri umas 20 e poucas por ano, hoje com umas sete ou oito ficarei faceiro. Mas tem gente que realmente precisa da adrenalina da prova pra se motivar.

JQC – Como consegue conciliar com o trampo? Quantas horas por semana? Onde?
SX – O básico é uma semana de três ou quatro treinos de corrida com duas sessões de musculação. E pela manhã, antes de ligar o celular. Treino no Ibirapuera por volta das 7h. Volto pra casa de café tomado. O dia começa melhor. Terças e quintas faço isso e treino velocidade no Ibira. Segundas e quartas, musculação na academia da Abril. Sábado longo no Ibira ou na USP. Domingo um trote até a padaria para buscar o pão pra família. Se o trabalho atrapalhar algum destes dias, tenho a sexta de coringa.

JQC – Dá para evoluir sem preparador/nutricionista/médico?
SX – Dá, conheço muita gente que conseguiu. Minha melhor maratona, Paris, fiz sem nenhum profissional por perto. Mas respeitava a planilha, que eu mesmo fazia, copiando de revistas. A lógica mostra que se melhora com um bom aconselhamento.

JQC – Tem uma hora para desistir de tudo? Um exemplo: meu irmão já correu maratona, mas hoje não deve nem fazer um 15k. Isso é comum? Por que isso acontece?
SX – Lesões são destruidoras. Machucam mais a alma do que o corpo. Fascite no pé, pubalgias, lesões de joelhos são renitentes. E liquidam com a motivação. Más experiências em provas também derrubam. Eu quase desisti de maratonas depois de quebrar na Disney. Um amigo me convenceu a fazer uma boa meia em Buenos Aires, bati meu recorde, me empolguei, voltei pra maratona. E outro problemão é o overtraining. A gente nem percebe. E se enche de tudo porque estava treinando demais.

JQC – A gente entra nessa porque é ruim de esporte coletivo? Acha que isso é regra geral? Isso explicaria o grande interesse pela corrida e outros esportes não tão competitivos?
SX – Não. No meu caso, por exemplo, jogava futebol e tênis em um nível razoável. Nos meus delírios, me achava até craque… Só que eu não conseguia ficar com o peso ideal. Até porque tinha lesões musculares e articulares. Na corrida, assumi o controle. Treino na hora que eu quero e posso, não preciso de ninguém, a chuva não me atrapalha. Mas discordo: a corrida pode ser muito mais competitiva que o futebol. É eu hoje contra eu ontem. No futebol, podia esperar que o craque do time resolvesse o jogo. Na corrida, é nóis, mano. Ou melhor: “é eu, mano”.

JQC – À frente da Runner’s, como observou o boom de corridas no Brasil? Estamos nesse boom? Já passou? Vai crescer ainda muito?
SX – Acho que o grande salto foi nos primeiros cinco anos do século. Mas a evolução tem tudo pra ser constante. Não existe melhor relação esforço-caloria no mercado. Um jeito simples e barato de perder peso. Como vivemos na epidemia da obesidade, corrida é remédio. Somos a aspirina da modernidade.

JQC – Dá para encher a cara de vez em quando?
SX – Sim. De vez em quando. Se beber assim, não corra. E dá para beber sempre, desde que com moderação. Eu não abro mão de vinho ou cerveja. Umas três vezes por semana, tomo uma, duas ou três taças. E diria até que uma das razões de correr é poder comer e beber sem fazer conta de caloria. A vida fica mais leve e o corpo menos pesado.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

3 Comentários

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    Luciane Mildenberger

    Parabéns, Paulo, pela entrevista e pelo blog. Conheci por intermédio de uma amiga jornalista que não é corredora, mas que tem mta vontade de ser. Tb sou jornalista, resido em Cuiabá (MT) e em outubro completo dois anos que comecei a correr. Depois disso não parei mais e até montei um blog/site para escrever e divulgar assuntos sobre corrida (www.correndoamil.com.br) e no facebook: http://www.facebook.com/correndoamil.
    Em março deste ano participei da meia maratona no Deserto do Atacama (23 km), o que pra mim foi um puta desafio, e no último domingo (07.07) da meia do RJ, esta que vc não conseguiu a inscrição.
    Meu próximo desafio é participar de uma maratona, penso em fazê-la ano que vem, a de POA, que segundo corredores mais experientes é mto boa para maratonistas de primeira viagem. A entrevista do Sérgio Xavier Filho foi mto útil para esclarecer algumas dúvidas sobre maratona. Peço sua permissão para publicá-la no meu blog/site, já que têm mtas informações interessantes para todos os corredores.
    Abs e qdo puder venha participar de uma prova neste calorão do cerrado brasileiro.
    Luciane Mildenberger

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    • Paulo Vieira
      Paulo Vieira

      Grandes feitos, Luciane, muito obrigado pela audiência e não tenha dúvida, pode reproduzir a entrevista.
      Vou mandar essa msg no seu fcb para ratificar.
      Keep in touch

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  1. Sérgio Xavier escreve, publica, mas não consegue chegar em primeiro

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