Um jornalista que corre, publica e nunca consegue chegar em primeiro

Paulo Vieira

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Seria difícil enumerar as diversas virtudes de Sérgio Xavier Filho, o Serginho, o SX. Também não se faz isso, exceto se o sujeito é senador e você ambiciona logo uns dez empregos para resolver de uma vez a vida de todos os seus cunhados. Cito uma virtude, uma das boas, contudo, a título de apresentação. SX segue a fazer o que gosta – editar e escrever, principalmente escrever. Mesmo quando suas incumbências o levam para algum lugar bem distante desse jornalismo old school, o sujeito dá um jeito de publicar mais um post, gravar mais um boletim para a rádio, assinar mais uma matéria, almoçar com mais uma fonte.

SX, que deu uma das entrevistas mais bacanas da curta história deste blog, está lançando seu segundo livro centrado no mundo das corridas de rua, o Correria, mesmo nome do seu blog na Runner’s .

Ele até pensou que fosse fácil selecionar, dar um tapa e republicar parte do material que ele vem postando há cinco anos, mas viu que o cascalho era mais embaixo e deu uma bela incrementada nos textos originais. A pedido deste que vos escreve, Serginho adiantou um dos 58 textos para os queridos leitores do JQC. Desfrutem.

Sérgio Xavier Filho, o SX, que lança o livro Correria
Tomando gosto pela coisa

O Dia em que quase ganhei

Sejamos sinceros. Corremos por diversas razões, nenhuma delas tem qualquer relação com o pódio. Tirando uma meia dúzia de gatos pingados que treina forte para ganhar provas, nosso negócio é outro. Corremos para controlar o peso, para fazer amigos, para baixar marcas pessoais, para esquecer problemas ou até resolvê-los no longão de sábado.

Sabemos disso. Mas…

Faz alguns anos, recebi o e-mail de uma assessoria de imprensa convidando para correr o Troféu Cidade de São Paulo. Corrida grande, várias categorias, o convite mencionava até uma tal “categoria imprensa”. Opa, que legal, será que iria correr algum jornalista amigo? Entrei no site da corrida e não apareciam os inscritos, apenas o resultado do ano anterior. Cliquei ali para conferir se conhecia alguém e descobri uma outra coisa. Ao ler a lista dos corredores com seus tempos, percebi que o vencedor do ano anterior tinha vencido a prova de 10K em 51’15’. Opa! Eu tinha tempos melhores do que esse, estava em um estágio razoável de condicionamento, já que me preparava para uma maratona meses depois.

De repente, virei a criança que sonha com um brinquedo de Natal. Eu simplesmente podia ganhar uma corrida de verdade, com milhares de pessoas participando no Ibirapuera. Depois descobri que ela teria Marílson, que o prefeito entregaria medalhas, corridão mesmo. E eu tinha a chance de ganhar a prova. Tá bom, lá vem você pensando que o que eu poderia vencer era apenas uma categoriazinha. Você parece minha mãe, querendo estragar tudo com um banho de realidade…

Capa do livro Correria, de Sérgio Xavier Filho, destaque do Jornalistasquecorrem.com.br
O dito cujo

O fato é que eu podia ganhar uma medalha de verdade, não aquelas de “participação”. Já imaginava como faria no meu trabalho. Deixaria a medalha em um cantinho da mesa, como quem não quer nada. Alguém perguntaria que medalha era aquela e eu diria, sem entusiasmo, que foi a corrida que venci na véspera, mas que a concorrência era fraca, blá-blá-blá.

Não tinha muitos dias para afinar a preparação. Fiz um bom treino intervalado, descansei e sonhei com a vitória. Não precisava, na teoria, fazer grande esforço. No ano anterior, 14 jornalistas participaram da prova (lá vem você achando graça de novo. Poxa, isso é sério!) e o vencedor tinha mais de 51 minutos para os 10k. Eu já tinha quatro provas com tempos na faixa dos 45 minutos, uma sobra de seis minutos em relação ao ano anterior.

Sempre cético, levantei a possibilidade de aparecerem jornalistas mais rápidos em 2008. Podia acontecer. Certo, nada me restava além de tentar fazer o meu melhor. E foi o que fiz naquele 25 de janeiro no Ibirapuera. Corri no limite do pulmão. Apertei no final e cravei um 46’29”. Acima dos meus recordes para a distância, mas muito bom. Poderia ser o tempo do ouro. Ah, a medalha de ouro…

Não tinha como saber na hora quem tinha vencido a “categoria”. Nem tinha pensado nisso. Como descobrir quem era jornalista naquele mar de gente cruzando a linha final? Era ir para casa, abrir o site com os resultados e torcer contra meus colegas de profissão. Haveria de ser todos pangarés. Tive um bad feeling quando fui pegar meu kit no estande da assessoria de imprensa. Lá também estava um sujeito grisalho, com jeitão de corredor jornalista. Magrinho, pernas quase maiores do que o tronco. Parecia um queniano branco. Seria jornalista?

Os dias se passaram e nada do site dar a relação da “categoria imprensa”. Já estava até me esquecendo quando vi que a organização tinha disponibilizado tudo uns cinco dias após a prova. Estava lá o meu nome e meu belo tempo de 46’29” entre os 11 inscritos. Em quarto lugar. Quer dizer, mesmo que tivesse ouro, prata e bronze, eu teria ficado no arroz.

O tal sujeito que vi retirando o kit era, infelizmente, jornalista. E dos bons. Completou em 42’54”. Ficou em terceiro. Anos depois me tornei amigo dele. Robertinho, seu desgraçado. O segundo terminou em malditos 39’53”. Mas sacanagem mesmo foi o primeiro. Um tal Renato Rodrigues, parece que câmera da TV Bandeirantes. Cravou 31’51”. Era um profissional, ou semi, sei lá. Para mim, um verdugo, apenas. O homem que sepultou meu sonho de ganhar uma corrida.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

3 Comentários

  1. Avatar
    Carla Callado

    Meu Deus!
    Eu cheguei aqui atrás do livro “Correria”, que estou pensando em comprar… e não é que me deparo com um texto no qual me identifico totalmente??? Acabo de participar de uma prova que tinha categoria “advogado”… pus na cabeça que ganharia… afinal, quantas advogadas treinam corrida pra valer? … e fiquei em que lugar? 4o…. Uma certa decepção… e quem era a terceira colocada? Uma moça que passou a chegada ao meu lado, mas marcou no segundo anterior. E super gente boa, veio ainda pegar meu contato (antes de ver o resultado e sem saber que éramos da mesma categoria) para me enviar a foto incrível que o filho tinha tirado de nossa chegada… Até tive direito a troféu (era até o 5o. lugar) mas conheço bem a sensação que ele descreve…

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  2. Avatar
    Rodolfo De Oliveira

    kkkk.

    Muito boa a história.

    Todo corredor amador, além de meio louco, é um sonhador mesmo (me incluo nesta categoria)

    Abraço e boas corridas

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  3. Avatar
    Mateus Santana

    Sensacional Paulo!

    Responder

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