Vida de frila

Paulo Vieira

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A corrida hoje faz uma pausa: nosso ritmo anda muito intenso, algo que os dinamarqueses já contraindicaram. A conversa deste post é jornalismo, jornalismo estrito senso, tropical e em tempo real.

Para dar a circunstância, um cenário conhecido: redações murchas, gomas que viram escritórios e, sempre olhando para o bright side, pais que agora têm tempo para buscar os filhos na escola.

Que entre o convidado, então. Com 42 anos, tendo passado por Gazeta Mercantil e Veja, manezinho nascido no Rio, eis Maurício Oliveira.

Frila firme/Foto: Juliana De Mari
Frila firme/Foto: Juliana De Mari

Maurício é frila há 12 anos, tendo efetivamente optado por essa “modalidade” de emprego quando ela ainda não era compulsória. Seu know-how na coisa o levou a publicar há alguns pares de anos o livro de nome autoexplicativo Manual do Frila (editora Contexto, R$ 25,90). Mais
recentemente, publicou, também pela Contexto, uma biografia de Giuseppe Garibaldi e, pela Toriba, de Pelé.

A pedido do JQC, ele generosamente fez uma síntese do que o frila deve ter em mente na hora de abraçar essa profissão de fé.

VOCÊ = SOLUÇÃO Antes de mais nada, tire da cabeça aquela imagem romântica do jornalista freelancer como um sujeito que se pauta por si próprio. Para ganhar a vida é preciso atuar predominantemente sob demanda, cumprindo tarefas definidas pelo contratante. A primeira missão do frila é resolver um problema para o cliente. Com o tempo, consegue-se emplacar uma ou outra ideia própria.

ARROZ COM FEIJÃO Por incrível que pareça, fazer o básico já diferencia um frila no mercado: cumprir o prazo e entregar um material dentro do esperado, tanto em termos de enfoque quanto de qualidade. Também é fundamental manter uma relação sempre cordial com o contratante, por mais que possam surgir divergências de opinião. Estar disponível para ajustes e acréscimos faz parte do trabalho.

JOÃO FERRADOR Não seja imediatista ao avaliar se um frila vale a pena. Aposte em relações de longo prazo. Uma tarefa chata ou não tão bem remunerada pode ser a porta de entrada para trabalhos mais bacanas. Mas fique atento ao tênue limite entre apostar numa relação e ser explorado (você perceberá claramente quando isso estiver acontecendo).

PAPO RETO Lembre-se que o sonho de todo frila são os trabalhos bacanas e bem remunerados, mas os chatos e bem remunerados também podem valer a pena (pelo lado financeiro), assim como os legais e mal remunerados (pelo lado da realização). Se o trabalho oferecido for chato e mal remunerado, diga isso claramente a quem está lhe fazendo a proposta, independente de aceitá-la ou não.

PLANTE QUE O JOÃO GARANTE Use o “não posso” com moderação – especialmente com os parceiros mais frequentes, com quem há uma relação de confiança estabelecida. Recusar trabalho é uma decisão de risco para qualquer freelancer: o risco de ser preterido na próxima vez. Se de fato for impossível assumir o trabalho, deixe claro que é por absoluta incapacidade de dar conta naquele momento.

NA HORIZONTAL Seja o mais generalista possível. Expanda ao máximo suas possibilidades dentro do território em que você se sente seguro e capaz. Se você é um jornalista de texto, por exemplo, não tem porque se limitar a matérias em revistas e jornais. Pode ajudar pessoas a escrever livros sob os mais diversos assuntos ou produzir relatórios para empresas ou agências de publicidade.

OFICINA DO DIABO Nos trabalhos em andamento, procure ter sempre uma mescla de tarefas de curto e de longo prazo. Quando há um projeto de longo prazo – um livro, por exemplo –, você pode se dedicar a ele nos momentos de entressafra das tarefas mais rápidas. Dessa forma, nunca lhe faltará trabalho.

ZILHÕES DE DIAS FORA O MÊS  Entenda que seu planejamento financeiro deixa de ser mensal, como é comum no mundo da carteira assinada. Há frilas que demoram para ser pagos ou, na situação oposta, que rendem adiantamentos antes de a tarefa ser executada. O importante é ter trabalho sempre, para criar um fluxo constante de rendimentos. Ao final do ano, faça um balanço e descubra qual foi sua remuneração mensal média.

OFFICE, SWEET OFFICE Com o tempo, você construirá uma relação sólida de parceiros, que já sabem o que esperar de você e dos quais você também já sabe o que esperar. Terá descartado os ruins e/ou exploradores e ficado com os melhores. Nesse cenário, conflitos e dificuldades de negociação praticamente desaparecem e a vida de frila chega a ganhar contornos de rotina (há certos tipos de trabalho que se repetem numa determinada época do ano e com os quais você já pode até contar, por exemplo).

E AGORA, MANÉ?  Ao longo dos meus 12 anos como frila, tem sido normal a alternância de períodos de maior ou menos demanda espontânea – ou seja, há períodos que espero as pessoas entrarem em contato e outros em que é preciso ser mais proativo na prospecção. O momento atual é mais de correr atrás, pois a demanda espontânea diminuiu nos últimos meses. Se compararmos com cinco anos atrás, a queda é mais brusca, pois o número de veículos que contratavam frilas diminuiu. Alguns títulos deixaram de existir, enquanto os jornais e as revistas que resistem estão tendo que cortar custos. Além disso, há uma paralisação geral da economia que está segurando muitos projetos na nossa área. O momento é de exercitar a criatividade e pensar em caminhos que fujam dos convencionais. Usar os contatos para sugerir projetos e desenvolver possíveis parcerias. Enfim, se mexer. Afinal, tanto os jornalistas que correm quanto os que não correm sabem que não podem ficar parados.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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