De volta ao piko

Paulo Vieira

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FAZIA MAIS DE ANO, talvez dois, não havia nem ainda eclodido a última epidemia de verão (dengue? zika? chikungunya? febre amarela?).

Uma cara. Mas ontem finalmente revi um velho e mítico cascalho, aquele que se tornou uma pequena obsessão para este pasquim, e que o editor deste JQC andava a evitar mesmo acordando e indo dormir com sua presença ululante nas janelas.

É que se de muitos lugares de Essepê vê-se o piko do Jaraguá, o ponto mais alto de Sampa, da minha casa ele parece bater à porta.

E correr até lá não é um mero capricho; até já ensejou desta pequena porém limpinha casa editorial a produção de um curta-metragem em vídeo quando ainda aspirávamos ser um dos braços da Conspiração Filmes.

Curta que você revê abaixo.

Correr da goma até o piko significa montar um roteiro de 17K (só de ida) com tudo o que um maratonista poderia desejar: cenas urbanas, variações de ritmo, áreas arborizadas e, claro, um 3,5K de subida que muita gente talvez prefira evitar.

Falta só uma terrinha para a coisa ficar perfeita.

Ontem não tinha erro: domingão, 8h30 da manhã, temperatura apenas um ou dois graus acima do desejável.

Mas como eu nem sempre controlo minhas pernas – corredores talvez entenderão a frase –, precisei mentalizar firmemente meus passos futuros para não acabar derivando para o centro da cidade, para a avenida Paulista, para os bolsões de trem, sabe Deus para onde mais.

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Mantive portanto o firme o propósito de seguir rumo noroeste, cruzando a Vila Romana na direção do Alto da Lapa e, de lá, rumo ponte da Anhanguera.

Cruzar o fétido e tão paulista Tietê é quase um ponto de não retorno desse cascalho, e instantes depois já se está a ganhar a passarela sobre a Anhanguera.

Atravessada a rodovia, ela jamais novamente é vista neste itinerário, apesar da brincadeira só estar a começar. 

Meu caminho para o piko se vale das ruas muito arborizadas do entorno da avenida do Anastácio, que também uso quase em sua totalidade, e da Agenor Magalhães, que tomo igualmente quase de cabo a rabo, do Piritubão até a estação de trem da Vila Clarice.

Daí é passar por baixo da Anhanguera, cumprimentar os indiozinhos da reserva guarani e entrar no parque do piko.

Os 5K da estrada de acesso até o cume não são exatamente 5K de subida, mas o 1,5K final, pode-se dizer, machuca. Não a mim, que segui em tocada constante sem acusar o esforço.

Se considerado como treino, esse roteiro me parece menos exigente do que trivial. Porque ele incorpora variações de ritmo e a exigência da subida, o que ajuda a condicionar melhor até quem procura reduzir tempo numa prova plana (tipo um 10K da Track and Field na marginal Pinheiros).

É claro que talvez seja mais eficaz deixar um ou dois dias da semana para os treinos de intensidade, mas corrida não é exatamente dar tiros ou treinar para correr.

Visitar o piko faz bem para o corpo e para a cabeça. E se a cabeça não estiver boa, o ânimo para correr não dura muito.

Não é apenas no montanhismo que só o cume interessa.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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