Treino mental para provas longas

Paulo Vieira

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CONHECER O PRÓPRIO LIMIAR ANAERÓBIO, a fronteira a partir da qual a fadiga muscular irrompe, limiar que, olha só que maravilha, pode ser expandido com o treinamento, é vital para o sucesso numa prova.

Com o conhecimento dessa medida conhece-se também, com segurança, o ritmo (pace) máximo que o caboclo deve imprimir na competição para não, como se diz, quebrar.

Determiná-lo não é difícil, mas no mais das vezes utiliza-se um teste incômodo, o ergoespirométrico, em que o incauto é colocado numa esteira a velocidades insuportáveis com uma máscara na cara – receita perfeita para entrar em pânico.

Mas apesar de ter nova aula sobre o assunto ontem com a médica Ana Sierra, que acompanha maratonistas já há onze anos, não é absolutamente disso que quero tratar hoje.

Porque há muito mais variáveis na corrida do que supõe a mera fisiologia.

Uma delas é a vontade súbita que às vezes acomete o corredor de terminar logo com aquilo, afinal, como já se disse aqui, a maratona não é exatamente um exercício dos mais saudáveis.

Você simplesmente pode pegar um certo bode da mara lá pelo minuto, que sei eu, 170.

E aí babau.

Nessas horas, vale muito ter uma estratégia que ocupe sua mente e ajude a mantê-la pacificada enquanto seu organismo está à beira de um colapso lá embaixo.

É a estratégia que este pasquim chama de Madadayo, em tributo ao último filme do japonês Akira Kurosawa, que leva esse nome e, no que importa aqui, mostra algumas homenagens feitas por ex-alunos a um velho professor que se aposenta.

Numa delas são recitadas as estações de trem do Japão em ordem estrita, a partir de uma determinada coordenada espacial (digamos norte-sul).

É estação pra dedéu.

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Pois domingo, quando me metia pelas ruas do bairro de Higienópolis – a Ipanema pré-Sergio Dourado de Sampa –, pensei em mais algumas táticas para ajudá-lo a seguir firme e forte na maratona, na ultra, na Comrades, nos 125K dos mares de morros mineiros, no diabo interminável que for.

Dessa vez sem estações de trem da CPTM ou da Supervia.

Quando o cansaço chegar, liste mentalmente:

todas as cidades (eu quase dizia topônimos) que começam com Ita. (Itapipoca tem de entrar).

 todas as ruas da sua cidade que começam com Ita.

– Se você é de São Paulo, todos os povos indígenas que viraram nomes de ruas de Moema e de Perdizes.

(Em seguida aproveite para calcular, com alguma precisão, se possível, quanto desses povos ainda não foram dizimados.)

– Ainda para os paulistanos, todas as ruas com nomes de pássaros de Moema.

– Finalizando para os paulistanos, todas as esquinas de Moema em que a subdivisão “Pássaros” do bairro encontra a subdivisão “Índios”. Tem de haver correspondência com a realidade, como Macucos com Arapanés, digamos.

Todas as avenidas Getúlio Vargas, e onde elas se localizam, em todas as capitais de estados brasileiros.

– E se quiser embarcar na onda política, quais foram os partidos, em ordem cronológica, pelos quais passaram alguns políticos nos últimos dez anos. Sugiro escolher os nomes à gosto, mas funciona melhor com a tigrada do Centrão. Tipo Kassab antes do… PSD.

– Depois disso, para desestressar, todas as onomatopeias das músicas do Djavan.

E se ainda tiver quilômetros a transpor, liste todas as paroxítonas terminadas em ditongo crescente e, portanto, acentuadas.

Ou seriam acentuadas as terminadas em ditongo decrescente?

 

 

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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