DIZEM QUE UMA IMAGEM VALE MIL PALAVRAS, e o sucesso de aplicativos como o Instagram parece referendar o dito. Mas aqui estamos de novo munidos apenas de letras e alguma sintaxe a combater o bom combate.
Só que não. Nosso correspondente na Cité Maravilhé, Maratonista Desencanado Ricardo Henrique, fez um filminho de sua última corrida, de forma que o texto que lhe pedi sobre o asssunto vai ficar para o spike, como se dizia no finado JT.
Quer dizer: não. O texto corre abaixo deste filme.
NÃO SABIA AONDE IR, apenas que era longe. Por isso, na véspera, preparei a mochila com géis, barra de proteína, castanhas e coloquei duas garrafas de água no congelador, uma delas misturada com repositor energético.
Acordei cedo, o céu estava nublado, a expectativa de chuva indicava uma “sobrevida” maior no cascalho.
Sincronizei o relógio com o celular, assim poderia usar o livetrack, aplicativo que envia minha localização para quem eu escolher, por e-mails.
Saí de casa e dei o start, indo em pace bem conservador em direção à praia. Se fosse para a direita, para o oeste, iria até o Recreio. Até a praia da Macumba seriam 20K só de ida; a Grumari, 25K, com direito a uma bela subida.
Caso tomasse a esquerda, seriam duas opções: ir ao Leblon e Ipanema pela ciclovia (interditada) ou tomar a Estrada das Canoas destino Mesa do Imperador, Vista Chinesa ou Alto da Boa Vista.
Como voltar eu veria depois.
Cheguei à praia ainda indeciso, mas uma brisa me guiou pelo Quebra-Mar. Optei pela esquerda. Logo em seguida encontrei uma amiga que acabava de correr 18K em menos de 1h30. Ela vai à maratona de Berlim e quer fazer índice para correr Boston em seguida.
Ela me recomendou uma assessoria esportiva, o que de certa forma referenda o que já me disseram, que eu corro distâncias longas demais, que eu deveria alternar essa rotina. Mas correr é uma necessidade fisiológica. Não sou um competidor, apenas gosto de correr.
I’m a runner, not a racer.
De volta ao cascalho, passei sobre o canal da Joatinga (“água podre”, em tupi – mas desde aquela época???). Agora a ciclovia está no elevado do Joá, e o cenário é fantástico, a altura é imensa e a água explode nas pedras. A estrutura toda balança levemente e dá uma certa tontura.
Precisava me concentrar. Naquele momento a chuva chegava com pingos largos e gelados, e o alívio foi imediato. Apertei o passo e segui até o próximo túnel, a ciclovia se desmanchando num caracol com direito a mirante sobre as ondas.
DA BARRA AO CRISTO
O TREINO MAIS LINDO DO MUNDO
A MEIA DO RIO, UMA HOMENAGEM
A CORRIDA COMO MEIO DE TRANSPORTE – AS LIÇÕES DO RIO
Estava agora em São Conrado, e meu olhar me guiou para as montanhas, que me chamaram pelo nome: “Vem Ricardo, vem”. Não refuguei, e pela passarela cruzei a autoestrada Lagoa-Barra para tomar a estrada das Canoas. Ela começa bem íngreme, mas fica muito pior.
Quando trabalhava em São Cristóvão ia de carro por ali, e toda vez eu encontrava dois garis super divertidos que varriam a estrada e cumprimentavam os motoristas. Eu sempre buzinava, fazia festa e uma vez dei carona para eles até o Alto da Boa Vista. E eles estavam de novo ali.
Não me reconheceram, mas do meu carro, que mencionei, sim, e abriram sorrisos. Depois dos abraços, segui mais disposto até o viaduto das Canoas e lembrei-me que tinha uma câmera comigo. Parei no mirante e fiz umas imagens da cidade ainda encoberta.
Já estava a uns 400 metros acima do nível do mar e, com a temperatura por volta dos 18 graus, senti que o tempo iria mudar. Continuei subindo e cheguei ao acesso da Pedra Bonita, de onde asas deltas se jogam em direção ao mar.
Como nunca havia estado na rampa, achei que era a hora. Tentei correr, mas o chão de pedra, úmido, tinha outros planos pra mim. Fui em zigue-zague com o corpo curvado. A subida é sinistra. Já quase no topo, um carro que descia derrapando me deixou a mata como única alternativa.
Cansado, reclamando comigo mesmo por ter decidido enfrentar aquela parede, vi que apenas uma escadaria me separava da plataforma.
O céu estava aberto e a vista alcançava o horizonte. Gravei algumas imagens e desci para a parte inferior da rampa. Não havia vivalma, só eu e o abismo.
Estava a pouco mais de 500 metros de altitude, e uma nuvem baixa chegou criando um fog passageiro. Quando alguns turistas apareceram resolvi que era o momento de voltar.
Ainda olhei mais uma vez a paisagem de cima da rampa, não havia asa ou parapente, o dia não convidava ao voo.
Como para descer todo santo ajuda, fui com calma para não me estabacar na ladeira. Decidi regressar pelo mesmo caminho, ainda deserto, exceto por um grupo de japoneses que tentava fotografar a Casa das Canoas, um clássico de Oscar Niemeyer.
Dá rua, contudo, só dá para ver pouco, a pedra e as curvas da piscina. Lembrei-me do arquiteto quando nos perfilamos juntos para receber a medalha “Avante, Bombeiro”. Cantamos o Hino Nacional e trocamos rápidas amabilidades.
Já estava quase ao nível do mar quando revi meus amigos garis Manoel e Zé Carlos e enfim registrei nosso encontro. Com o sol já esquentando, cheguei finalmente à ciclovia, passei pelos túneis e ao ganhar a Barra tomei a avenida das Américas.
Foram 26K com direito a umas subidinhas cabulosas, como dizem aí em São Paulo.
Correr faz bem!!