De boca cheia no Peru

Paulo Vieira

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O PARÇA IGOR OLSZOWSKI – nem tente – ligou de Havana, onde produzia seu segundo documentário sobre boxe para a TV francesa, perguntando se eu queria algo de Lima, a capital do Peru, onde passaria com a família na volta por alguns dias.

Eu disse:

– Escreva sobre bons lugares para correr.

Ele deve ter entendido outra coisa, porque aportou com essa beleza de material que vai abaixo. E nem dá para culpar minha língua presa, pois a gente só troca o fonema /xo/ por /fo/ ou coisa que o valha.

Mas ainda falta muito para eu chegar ao padrão Arnaldo Sacomani de dicção, verdadeiro case entre radialistas. A frase que dizia tudo: “Bifo, pafei muito mal!”

(Significava que algo era do grande, enorme carvalho)

Pois bem, Igor não fala de lugares para correr, mas para comer, o que é uma experiência muito melhor de se ter em Lima, essa capital gastronômica do mundo.

DO PERU

UMA CORRIDA PELO BROOKLYN – O ORIGINAL

BALOUÇANDO O SALSICHÃO EM TAMBABA

UM CUBANO ENTRE NÓS

PELAS DUNAS DE JERI, SEM CAETANO VELOSO

Evoé.

QUANDO SE VIAJA COM O ESTÔMAGO, Lima, capital do Peru e do ceviche, se mostra uma verdadeira maratona gastronômica. Lá fomos nós com uma criança de 5 anos e um bebê de colo encarar o desafio.

A nossa primeira etapa foi definir o roteiro perfeito em que coubesse toda a família. Nos guiamos inicialmente pelos campeões.

Segunda o ranking da revista britânica Restaurant, três dos 50 melhores restaurantes do mundo estão por lá: o Central (4º geral, 1º da América Latina); o Maido (13º geral, 2º da América Latina); e o Astrid y Gastón (30º geral, 7º “LATAM”).

Como em toda maratona, era necessário que nos preparássemos, mas foi relativamente fácil. Marcamos mesas nessas três casas com menos de um mês de antecedência. E melhor: crianças e bebês eram bem-vindos.

Señor Javier Wong debulha o linguado
Señor Javier Wong debulha o linguado

Logo percebemos que nem tudo que reluz em Lima é ceviche. Prova disso são as memoráveis cozinhas do Central e do Astrid y GastónA do Maido, nem tanto, mas vale explorar.

Demos a largada no Astrid y Gastón. No restaurante que colocou Lima no mapa mundial da gastronomia, deleitamo-nos com o menu de oito pratos, sobremesa, tábua de chocolates de diferentes percentuais de cacau e chá de coca para finalizar.

Houve taco de tortilha de milho roxo com recheio de cuy (porquinho da índia, vendido sem mais aquela nas ruas de Cusco), tempurá de ovo com lagosta, vieira com creme de pesto e sorvete nitrogenado de maçã verde.

Num casarão colonial espaçoso, o almoço em família de três horas foi fácil de acomodar. Veredicto: endereço incontornável. 

No Central, provamos um polvo laqueado com “papas” nativas, olluco (tipo de rabanete), kaniwa (prima da quinoa) crocante, crocante de alga (como um mandiopã), tudo isso assado em manteiga reduzida por 17 horas com sal de Cusco.

A combinação de texturas contrastantes em perfeita harmonia entre si, a percepção das diferentes notas de sabor dos alimentos e a untuosidade da manteiga revelaram uma cozinha elaborada, baseada na biodiversidade peruana.

Maestria na execução, você imagina, é default. O menu degustação básico trabalha com 11 pratos e celebra ingredientes de diversos altitudes do Peru. Mas por estar com carrinho de bebê, não tivemos fôlego para essa escalada: dividimos três criações sensacionais do chef e saímos com a alegria de um dos melhores jantares da vida. 

Também estivemos no Maido, de cozinha nikkei: encontro da gastronomia peruana e japonesa. Vale provar as duplas de niguiris, especialmente o guratan (de lagostim empanado, queijo andino, chimichurri nikkei, avocado e tarê); e o ceviche nikkei, indicado para quem gosta de sabores muito picantes com um toque de shoyu.

Finalmente, num bairro um pouco mais afastado, fomos conhecer pessoalmente o Chez Wong. Reputado como o melhor cozinheiro de ceviches do mundo, o senhor Wong faz um espetáculo na preparação do prato. Movimenta a faca com destreza no corpo do linguado fresco que, em poucos segundos, se transforma em nacos suculentos de ceviche.

Seguem à mesa embebidos em limão, sal e pimenta do reino, acompanhados de cebola. Só isso.

Javier Wong nos recebe num salão improvisado nos fundos de sua casa. A experiência é inesquecível.

Há muito mais a falar, mas se eu revelar aqui todos os lugares visitados em uma semana de garfadas, não vai haver corrida que dê jeito.

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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