Minha primeira subida

Paulo Vieira

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A MELHOR COISA DA RÁDIO JOVEM PAN, desde sempre, foram suas vinhetas. Paulo Alcoragi, para dar nome aos bois, era o grande responsável, no FM, por aquelas maravilhas. Quanto ao jornalismo, ele já foi melhor, ou melhor dizendo, ele já foi jornalismo.

Posto isso – eu excluí um parágrafo inteiro que, de tão óbvio, não é necessário estar aqui –, quero dizer que a vinheta que chamava Israel Gimpel, o correspondente do Rio, vai para o túmulo comigo de tão boa, de tão duradoura.

Ela dizia: “E agora, o Rio, com Israel Gimpel”.

Israel já foi dessa para melhor, mas nosso correspondente no Rio, Ricardo Henrique, o Maratonista Desencanado, vulgo Brocador, está vivo e chutando. Por isso, só nos resta dizer:

E agora, o Rio.

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CARAMBA, O PAUL (NdR: Paul é o editor deste pasquim) me pediu para escrever alguma coisa a respeito da técnica de subir montanha.

Quando me programei para subir pela primeira vez a Rua Amado Nervo e depois descer até o hotel das Paineiras ou o que sobrou dele, busquei na internet justamente informação sobre as técnicas mais adequadas de corrida em subida, como inclinar o corpo, o tipo de passada, quais os músculos iriam sentir mais o esforço.

EDU ELIAS, DA FOX, E O TREINO MAIS LINDO DO MUNDO

DA BARRA AO CRISTO

UMA CORRIDA NA ROCINHA

CORRIDA COM ABRAMOVIC

Assisti a videos e acumulei o que podia de dados. Com um mapa feito à mão pelo veterano maratonista Jairo Paraguassu, fui.

Eram 6 da matina e eu estava estacionando o carro no posto do Alto da Boa Vista. Já havia alguns carros com racks de bicicletas parados. O movimento era pequeno mas já anunciava que logo não haveria mais vagas por ali.

Olhei para a ladeira e encarei. Comecei mais forte do que deveria, e, pouco mais de 100 metros de subida íngreme, senti que daquele jeito eu não cumpriria os 4K programados.

Reduzi, e com um esforço tão físico quanto mental, segui. A paisagem ajuda, é floresta dos dois lados e em alguns trechos não se vê nem mesmo o céu.

Um mirante me convidava a parar e apreciar a paisagem, lugares com mesas de pedra me chamavam para um piquenique, mas eu precisava resistir a todas as tentações e evitar a parada “contemplativa”.

O ritmo caía: uma bicicleta e um corredor mais preparado me passaram. À medida que a montanha era sendo vencida, ela cobrava seu preço em queima calórica – um dízimo que não parece ser exigido no asfalto plano ou na areia da praia.

Mas eram só 4K. Em algum momento, as placas que indicavam o caminho do Alto do Sumaré agora mostravam a descida das Paineiras.

Não foram precisos 300 metros para a ilusão se desfazer. Enquanto skates e bikes voadoras me ultrapassavam, eu ia entendia onde estava me metendo.

Os dedos dos pés batendo firme na parte dianteira do tênis foram causando atrito – mais tarde isso me custaria uma unha encravada e não sei quantas outras quebradas. Músculos que jamais haviam se manifestado agora executavam uma triste melodia.

Depois de resistir bravamente aos insistentes convites para parar e aproveitar as cachoeiras que compõem o cenário das Paineiras (e servem de praia na floresta), e observar com mais vagar macacos, tucanos (aliás nunca tinha visto um tucano rubro-negro que assobiava o hino do Flamengo), cheguei aos restos mortais do hotel. Era o meu destino.

Ali há um quiosque com bebidas geladas e salgadinhos e é também o ponto de encontro das vans que levam ao Cristo. 

A recompensa/Foto: Rodrigo Chadi - Wikimedia
A recompensa/Foto: Rodrigo Chadi – Wikimedia

Sabia, portanto, que havia completado os 8K de subida e descida e que era hora de voltar. Entornei uma garrafinha de isotônico, tomei um gel e voltei.

Voltei, mas voltei discutindo com as pernas e com a cabeça, num diálogo nem sempre harmônico, nem sempre civilizado.

Ao final dos 16K, fiquei com a sensação de, como na propaganda, a primeira vez a gente nunca esquece.

Depois dessa corrida inesquecível, desbravadora, vieram muitas, muitas mesmo.

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O problema é que basta ficar um tantinho acomodado no nível do mar para, na hora de encarar a montanha de novo, só pensar numa canção, aquela que fala da long and winding road.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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