Eles não estão muito preocupados se o negócio vai ser derrubado, se vai virar parque suspenso ou se nada vai mudar. Querem aproveitar, é o que parece, o aqui e agora.
Mas o destino do Minhocão o elevado mandado construir pelo prefeito biônico e que leva o nome do general que o colocou no cargo – enquanto o pau comia feio –, irá afetar diretamente a vida dos quatro personagens desta reportagem – “personagem” é como jornalistas tratamos pessoas de carne e osso, num sintoma claro de que sofremos da Síndrome de Napoleão de Hospício.
DELÍRIOS, BAURU E GENTE BACANA NO MINHOCÃO
O MELHOR JORNALISTA E A PIOR EMPRESA JORNALÍSTICA
Afinal, os personagens vivem a metros do elevado e o utilizam para lazer à noite, entre 21h30 e 6h30, e aos domingos e feriados o dia inteiro.
Anteontem, por volta das 10 da noite, entre pessoas que corriam, andavam, pedalavam, passeavam com seus cães, pitavam seu tabaco comunitário ou tomavam a fresca, o DataJQC contou grosseiramente umas 400 pessoas. Portanto esta amostragem não tem grande valor científico. Mas certamente tem algum valor poético.
A Thais Girotto, 23 anos, designer de joias, que odeia academia e espaços fechados, andava a passo acelerado pela primeira vez no Minhocão. Desde que trocou Jundiaí pelo Largo do Arouche, há poucos meses, ela namora o vizinho gigante de pedra. Gostou da experiência. “Estou me sentido muito segura aqui.”
Matheus Michel, 18 anos, corria num pace de trote que eu e o fotógrafo Leo Feltran acompanhávamos sem qualquer dificuldade. Ele já morou num dos prédios à margem do Minhocão com outros seis primos, a mãe e a tia, mas agora está um pouquinho mais afastado, “perto da avenida Pacaembu”. Às portas de entrar para o Exército, diz que corre 40′ todo dia. “Para tirar os quilos ganhos quando trabalhava numa padaria.”
Fazendo flexões na mureta que divide as duas vias de tráfego, Cícero dos Anjos, nascido há 45 anos em Janaúba, na região produtora de cachaça no norte de Minas, parecia muito à vontade no Elevado. Depois de passar 23 anos como segurança particular de figurões, tornou-se técnico em construção (para elevadores) e alugou um “barraco” às margens do Minhocão, onde vive de segunda a sexta. “No fim de semana volto para minha casa na periferia, na Zona Leste”, diz.
Ele já havia corrido cerca de 35′ e feito uma série de abdominais. Disse preferir que o Minhocão siga aberto aos carros. Ele também trafega por ali com seu possante.
Depois de tentarmos abordar, sem sucesso, um corredor que parecia bastante compenetrado em fazer os 5,4 K de ida e volta do Minhocão, encerramos com o Leandro Alves, comerciário, que mora em Santa Ifigênia e corria pela primeira vez ali. Ele aprovou o “astral”do lugar mas disse que não se arriscaria ali depois da meia-noite. “Guentaram o celular de um amigo meu numa madrugada dessas aqui.”
Reza que uma lei específica irá tratar do destino do Minhocão: demolição ou ocupação à novaiorquina, tudo supostamente com interdição progressiva aos carros. É o que está lavrado e consignado no Plano Diretor de São Paulo, aprovado em 2014.
Lavrado, consignado e, se fossem os tempos da Escola de Datilografia Esmeralda, seguiria também em três vias de igual teor e forma.
***********************
São Silvestre, um filme muito bacana sobre corrida, de que falamos aqui, começa com cenas de uma corrida solitária no Minhocão.
************************
Agradecimentos ao fotógrafo cafuçu Léo Feltran.
COMO FOTOGRAFAR O PÔR DO SOL
TESTAMOS O KANGOO JUMPS, por VIEIRA & FELTRAN