Repórter conta como foi correr com um par de tênis e nada mais

Julia Zanolli

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Não sei se os colegas de profissão já passaram por isso, mas neste caso o repórter veio antes da pauta. Marcio Caparica é um sujeito brilhante, criativo, ponta firme e… sem pudores. Ciclista militante, é figurinha carimbada na tradicional “Pedalada Pelada”, evento que reúne gente com pouca ou nenhum roupa a favor das bikes

Atualmente Caparica comanda o programa Lado Bi, na rádio UOL, onde fala sobre cultura e cidadania LGBT. Coisa fina, vale a pena baixar os podcasts. Uma boa oportunidade para conferir a maneira leve e aberta com que ele fala sobre corpo e sexualidade.

A ideia de fazer uma matéria sobre naked runs veio a partir dele e, de certa forma, para ele. Era o cara certo para a missão de escrever uma reportagem sobre como é correr pelado para a revista Runner’s World, onde nós dois trabalhamos.

Naturalmente, o número de peito tem que ser realocado (Foto: Kirill Tokarev)
Naturalmente, o número de peito tem que ser realocado                           (Fotos: Kirill Tokarev)

Depois de muita apuração descobri que não há esse tipo de prova por aqui – aparentemente as comunidades naturistas brasileiras curtem vôlei. Em tempos de vagas magras, era difícil conseguir enviar um repórter para os Estados Unidos, onde essas corridas acontecem com relativa frequência.

Aqui no Brasil, o Paulo até tentou treinar em Tambaba, quando esteve na Paraíba em setembro, e no seu post ele também fala com o Paulo Correa e o Gustavo Magliocca, fisiologista e médico do esporte, respectivamente, que contam dos riscos envolvidos na corrida “full monty”.

De volta ao Caparica, um dia ele partiu em uma road trip de bike pelos EUA por três meses depois de largar o cargo de editor de arte na Runner’s. Encontrei uma prova de corrida pelada em uma cidade próxima ao seu trajeto e ele topou na hora participar.

Alvoroço e bochechas coradas pela redação quando ele enviou o texto e as fotos – sem edição – para o meu email. Tudo foi devidamente encoberto para a publicação da revista (confira  a matéria completa aqui).

Marcio, à esquerda, no alongamento antes da prova
Marcio, à esquerda, no alongamento antes da prova

Anos depois, conversamos sobre a aventura usando um par de tênis e nada mais. Confira:

Jornalistas que CorremComo é a sensação de correr com tudo balançando? Dói? Tinha gente que segurava os membros e peitos e afins nas partes mais acidentadas?

Marcio Caparica:  Olha, correr com a mala balançando não dói nem incomoda, surpreendentemente. As bolas ficam entre as pernas, então não balançam para um lado e para o outro. O pinto* balança, mas mesmo alguém que não pode reclamar do tamanho como eu não tem um dote tão grande assim a ponto de realmente machucar. As mulheres com peitos maiores, que realmente poderiam machucar por causa da corrida (imagino), corriam de top; alguns homens correram com suporte atlético, mas imagino que seja mais pela vergonha de mostrar o próprio pinto (que talvez considerem pequeno) do que por medo de dor.

JQC: Em algum momento te bateu um estranhamento do tipo, ” caramba, estou correndo pelado”?
MC: Quando chega a hora de correr você já está ao menos há algumas horas andando pelado no meio de um monte de gente pelada, então qualquer estranhamento já passou faz algum tempo. Isso posto, o medo de acidentar alguma parte íntima no caso de queda durante a corrida aconteceu várias vezes, já que o trajeto passava por uma trilha no meio de um bosque. Talvez o maior estranhamento seja no alongamento antes da corrida, em que você tem que se esticar de maneiras que já são meio constrangedoras quando se está vestido, imagina pelado. Mas no fundo ninguém repara, e se reparam não comentam.

JQC:  Rola aquele código de ética de praia naturista de não ficar olhando para os genitais dos outros? Ou é mais livre e ninguém está encanado com isso?
MC: Na verdade o código de ética não é tanto que não pode olhar pros genitais, mas sim que se dessexualize até mesmo os genitais. Não havia pedidos para que não se olhassem genitálias em parte alguma da colônia de nudismo onde aconteceu a corrida. A atitude geral, no entanto, era tão pouco erótica que chega a ser até meio frustrante. As atividades todas evitam o contato físico, então as pessoas jogam vôlei e até correm, mas não jogam basquete ou futebol, por exemplo, que são esportes em que as pessoas têm que se tocar. Mesmo na piscina nada-se pelado, mas não se chega perto de ninguém. Se você apenas quer ter a liberdade de ficar sem roupa, é ótimo. Se você curte um frissonzinho erótico, não vai ficar satisfeito.

JQC: Bumbuns balançando: tesão, tristeza ou compaixão?
MC: Eu particularmente sou um grande fã de bundas, então tesão. Mesmo as menos bonitas são bundas que merecem atenção e carinho. É um barato ver dezenas de bundas correndo na sua frente, essa visão foi um fato inusitado da corrida pelado que nunca teria me ocorrido se eu não tivesse participado do evento. E corredores costumam ter as bundas mais em forma de qualquer maneira, então dificilmente seria o caso de ter tristeza ao enxergar bundas corredoras movendo-se à sua frente.

Reta final, de cabeça erguida e pose para a foto
Reta final, de cabeça erguida e pose para a foto

* Prezado cidadão-de-bem-pagador-de-impostos: optamos por manter a linguagem informal da entrevista

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Julia Zanolli

Julia Zanolli começou a correr em nome do bom jornalismo quando foi trabalhar na revista Runner’s World sem entender nada do assunto. A obrigação virou curtição, mesmo depois de sair da revista. Se livrou do carro para poder andar a pé pela cidade, mas é fã assumida de esteira. Prefere falar de comida do que de nutrição e acha que ter tempo é muito melhor do que matá-lo.

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