Minha primeira vez como pacer

Paulo Vieira

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Corro há um bom par de anos, vivi no cascalho muitas diversas e inusitadas experiências. Da estrada fechada pelas cabras no Peloponeso à vivência na pipoca em São Paulo, este pasquim e seus leitores são tributários de relatos bastante variados, alguns razoavelmente excêntricos.

AS CABRAS DO PELOPONESO

PIPOCA NA MEIA

A MARA DAS MARAS, A DE BOSTON, POR SÉRGIO XAVIER

O HOMEM-MARATONA SE APROXIMA DA MARA 300

Estive em Boston nestas últimas semanas e lá pude, senão correr a famosa maratona das maratonas, participar de outro 42K, a do Rio Charles, bem mais singela, com impacto mínimo sobre o dia-a-dia da cidade – o que me pareceu uma de suas grandes virtudes. Até aí morreu Neves – o avô, infelizmente – dirá você.

Mas a mara do Charles, rio que separa (ou junta) as cidades de Boston e Cambridge e é cenário de uma das competições de regata mais famosas do mundo (que eu também de certa forma acompanhei), permitiu-me atuar, pela primeira vez na vida, como pacer.

Pacer, como se sabe ou, por outra, como não se sabe, é aquele camarada que em algumas provas de corrida de rua vai marcando ritmo para que a tigrada saiba que, se seguir no ritmo desse maluco, irá de fato terminar no tempo desejado. Supostamente, o pacer deve correr cada quilômetro no mesmíssimo e excruciante tempo.

No meu caso, 4:55 ou, como me foi pedido, 7:54, já que os cabras estado-unidenses curtem medir as coisas à inglesa – milha, jarda, pés, essas paradas.

Pareceu-me um tempo exigente para os 29,3K que eu pretendia correr lá – o máximo permitido pelos organizadores para os pacers dentre os 42K da mara.

Uma planilha de excel foi-me enviada (e aos demais pacers) com indicações de tempo com precisão suíça. Eu deveria entrar em ação na quarta volta das dez da corrida, exatamente às 8h03min daquela manhã de domingo, saindo fora também precisamente às 10h27.

Cada volta no circuito em torno de um trecho do rio e dos dois lados dele, passando por duas pontes diferentes (mas igualmente charmosas e, no caso da primeira, com uma leve mas chatinha subidinha), deveria ser cumprido em 20min32seg.

Beleza.

Havia chovido durante toda a noite, mas o domingo amanheceu com sol – e com um frio aceitável de 11 graus por volta das 7 da manhã. Alagamentos na área gramada do circuito provocaram um atraso considerável no horário de largada. Ao chegar e me reunir com a coordenadora e com os demais pacers, vi que o rigor que eu imaginava existir era daquelas coisas que, como dizem, colocam na nossa cabeça.

Além disso, era uma prova realmente pequena, com uma quantidade de pacers por corredores bastante alta. Chutaria que nosso índice era de 1 pra 20.

Relaxei um pouco, mas não muito.

Temia por meu primeiro quilômetro, quando normalmente rodo 1 minuto mais lento do que os demais em minhas corridas – o que chamo de corridas, vocês chamam de treinos. Então fiz questão de aquecer – até porque tava frio –, correndo por uns 10 minutos na área do singelo estacionamento do parque onde começava e terminava a corrida.

Liguei o Strava, o que realmente não era a melhor forma de medir meu ritmo, mas era o que tinha, e entrei em cena.

Estranhamente, o app me deu uma quilometragem que eu só alcançaria se estivesse de moto cachorrolokando na Marginal, ou nem assim. Meu  primeiro quilômetro teria sido corrido em 52 segundos!

Eu já pretendia não me fiar tanto no aplicativo, pois tenho um bom controle do meu próprio ritmo – corri muito mais sem relógio ou celular do que com esses aparatos –, mas falhei fragorosamente.

Corri muito acima do alvo, fazendo logo de cara parciais de 4:40, 4:34, 4:30, 4:31: 4:43, 4:42: 4:45 e 4:34. Só fui cravar 4:55, o ritmo que eu deveria correr o tempo todo, lá pelo 13K – para logo ficar mais rápido de novo pelos próximos quatro quilômetros.

Ou seja, se alguém olhou meu “bib” sinalizar sob a palavra “pacer” o tempo de 3h27min – o tempo que deveria ser alvo de alguns corredores –, e me seguiu, das duas, uma: ou cruzou a linha de chegada muito antes do imaginado ou desistiu no meio da corrida, pois o ritmo era muito mais forte do que o necessário.

Terminei a prova 2min21seg antes do alvo – e isso porque eu encontrei o Nilsão Lima num trecho da última volta, e fiquei proseando em baixa cadência com o Homem-Maratana.

Apesar do pequeno tamanho da prova – ou talvez por isso mesmo – havia muita gente à beira da pista estimulando corredores e… pacers. Gostava do “good job” mas não gostei muito de uma mulher que vivia dizendo “work, work, work”.

 

 

 

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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