Meia de Sampa: ajudar o amigo valeu mais do que performar em causa própria

Paulo Vieira

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NA DIVISÃO BÁSICA no mundo da corrida, eu estou bem longe do grupo que participa de provas, estipula metas de tempo, chama os cascalhos de meio de semana de “treinos” e não se deixa ficar na cama nem um minuto além do que alerta o despertador.

Enfim, dos caras que levam o troço a sério.

Deste lado do muro está, afinal, um sujeito meio gauche que torce pela Portuguesa e se preocupa mais com a Estratégia Madadayo e com as corridas com Abramovic do que com tempo.

Já o Fernando Souza Pinto, com esse nome elegante e conciso, não poderia mesmo ser um arrivista do cascalho.

Não é. Corre meia “para” 1:33 e é sub 40min no 10K – os tempos estão devidamente consignados em sua página no Instagram.

Eu o conheci numa van, na volta do lançamento do tênis da Brooks, e a afinidade foi grande. E não só por professar o vegetarianismo – ele, novamente, leva o troço bem mais a sério do que eu, pois pretende andar mais uma casa e deixar o “ovolacto” pelo veganismo.

Hoje, para gaúdio geral, ele estreia neste pasquim, contando de sua inusitada participação na Meia de Sampa, ontem.

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ESTE ANO TEM SIDO DE MUITAS novidades e superações para mim. Já corri algumas vezes os 21K da meia maratona, mas nunca no asfalto. Após retornar de uma lesão por estresse na tíbia no início do ano, fui para minha primeira meia no inverno, a do Rio.

A meta era completar a prova em 1h30min, e cheguei bem próximo disso: 1h33 de pura felicidade.

Foi então que percebi o quanto uma maratona ainda está distante dos meus planos e me programei para terminar o ano com pelo menos mais duas meias.

Uma das provas que tinha em mente aconteceu ontem, a Meia de Sampa, percurso praticamente plano, começando e terminando no Jóquei, com alguns cotovelos para aumentar a distância e um pequeno túnel que derruba o ritmo.

Era esse o plano, mas eu vinha de dois dias nadando no mar em Bertioga – treinamento que faço para me tornar salva-vidas – e no sábado à noite havia a Moon Night Run, um 8K no Embu das Artes, cidade onde moro. A corrida era no parque em que treino, e o piso era variado: bloquetes, trilhas, subidas e decidas.

Com tudo isso, pensei em abrir mão dos 21K do domingão.

Foi aí que entrou uma vontade que é maior do que a de superar nossas próprias metas: ajudar os amigos a superar as deles.

Existe um grupo chamado Volt Runners, corredores amadores com tempos dignos dos negos de elite, que dividem experiências com pessoas que querem começar na corrida ou melhorar o desempenho.

Eles realizam treinos abertos e ajudam muito com a energia positiva deles, a tal “vibe volt”. Fiquei amigo dos caras e acabei entrando no grupo do Whats App, o NVV (Núcleo Vibe Volt), que reúne a galera dos treinos.

No grupo a maioria iria correr a Meia de Sampa, grande parte com a meta de fechar a prova em menos de duas horas, alguns até 1:40, outros para menos de 1:30. Foi assim que decidi me inscrever e ajudar a galera do segundo pelotão.

Mas eu falava da Moon Night Run. Apesar do cansaço da natação e do trânsito, foi tudo perfeito! Quatro voltas no parque à luz de tochas, totalizando 8K em pouco menos de 33 minutos, o que rendeu um terceiro lugar geral. O bom resultado de todos (namorada e amigos da assessoria também pegaram pódio) foi celebrado com boa pizza, mas não com muito sono, pois às 6h30 havia a largada da Meia de Sampa, que por fim decidi correr.

Ao chegar ao Jóquei, fui para o último pelotão com os amigos Ronaldo e Bruno. Nossa preocupação era afunilar na saída e o ritmo cair muito. Mas deu certo e logo fechamos o primeiro terço da prova (7K) em 36 minutos. Mas o Bruno ficou um pouco para trás e o trio virou um duo.

O tempo estava muito agradável para correr e logo fechamos o segundo terço (14K) em uma hora. Estava tudo perfeito, hidratação, carbogel, até que no 15K veio um túnel e uma pequena subida e o esforço acumulado cobrou a conta.

Comecei a quebrar, e temi que meu amigo Ronaldo quebrasse também. Demonstrei firmeza, e ele não deve ter percebido que naquela hora quem puxava era ele, e não eu, como combinado. Aguentei firme até o 19,5K, e vi que ele ainda tinha perna para fechar abaixo do 1:35 previsto.

Então falei para o Ronaldo seguir sem mim, ele ameaçou diminuir, mas insisti: “Se manda, mano.”

Nos 400 metros finais, abriu um minuto de mim para fechar em 1:35.

Terminei mais uma meia com alguns quilos (e uma unha) a menos. O corpo só queria descanso, mas a sensação de ter ajudado um amigo corredor a bater seu recorde pessoal compensou tudo.

Ronaldo conseguiu baixar sete minutos da última prova, o que me fez superfeliz. Como disse a ele, sua conquista valeu muito mais do que o troféu que ganhei na noite anterior.

Essa vontade de ajudar é contagiante! Danilo, um dos corredores do Volt, ofereceu-se para me ajudar no Rio, mas nos perdemos no meio da multidão. Mas um mês depois ele me puxou no 15K da New Balance, em São Paulo, na meta ousada e cravada na mosca de uma hora.

Ali havia sido ajudado. Ontem foi a minha vez de ajudar.

E ainda dizem por aí que corrida é um esporte individual.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

Um Comentários

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    Paulo Mayr

    Xará, aqui é o Paulo, amigo do Marcelo, do Garnizé.
    Dei uma olhada por cima. Gostei.
    Vou ficar assíduo.
    Abraços

    Paulo Mayr

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