DISPUTAR PROVAS DE CORRIDA ESTÃO LONGE de ser uma prioridade na minha vida endorfínica. Suponho que ainda vá empilhar algumas maratonas, uma ou outra meia, e tenho vontade de debutar em algumas corridas que causam certo frisson coletivo, como A Muralha de Visconde de Mauá.
E certamente vou atacar a etapa “sul” da 28 Praias de Ubatuba, que qualquer pretexto para ir àquele paraíso é válido.
É importante, contudo, participar desses eventos para comentá-los e descrevê-los para os gentis e numerosos leitores deste pasquim.
Contem comigo, meus sobrinhos.
Dito isto, foi um prazer voltar a correr a 10K + 5K, a prova proprietária que a Adidas organizava no começo da década no Rio e em São Paulo e que recolocou em circulação ontem no Campo de Marte, em São Paulo.
A prova se chama agora Adidas Boost Run, em homenagem a um tênis, ou talvez a uma família de tênis, da marca alemã.
E o prazer não se deve aos resultados muito surpreendentes que me foram enviados por SMS pelo organizador, caso esses números sejam mesmo verazes. Pois ao menos no 5K, que abriu a gincana, tenho certeza de que, como dizem, não deixei tudo no cascalho.
Não tenho como comparar esses tempos com minhas próprias medições, pois não as faço. Foi mal.
Foram, acho, meus recordes pessoais. No 10K, 42’43”; no 5K, 20’37”. Paces de 4:16 e 4:07, respectivamente. Difícil.
Enfim, isso tudo é questão de somenos. Mas como apenas cem negos participavam da bateria final de 1K, achei que estava na bica de corrê-la, o que seria divertido.
Não foi desta vez.
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A prova começou na véspera, com a obrigação de buscar o kit na loja Adidas do shopping Morumbi, local que raramente visito e que exatamente por essa razão me pareceu um ótimo destino para o cascalho de sábado. Era começo de noite, mas não economizei. Foram 17 ou 18K seccionados, com 5 ou 6K na volta do shopping até a estação de trem Cidade Jardim.
Ruim mesmo foi ter de acordar 5h40 da madrugada no domingo. Estava com certo déficit acumulado de sono, se é que isso existe, e por um ou dois minutos achei que poderia transigir com o relógio – não podia, caso quisesse chegar no horário.
Por alguma razão, acreditei que a tigrada correríamos dentro do Campo de Marte. As ilusões se dissiparam já no meio da Braz Leme, quando vi os cones que a interditavam, mostrando que o cascalho ia transcorrer pelas avenidas que margeiam o aeródromo.
Mas o local em que o circo estava armado, no quadrante nordeste do Campo de Marte, era bacana. Numa grande área, espalhavam-se o pórtico de largada para as corridas principais, um galpão com massagem e outras atrações subsidiárias, uma dezena de food trucks e um guindaste onde se anunciava o show de Pablo Vittar, uma das novas estratégias de popularização da Adidas em corridas assim.
A outra estratégia é ter um MC ubíquo, falando o tempo todo, inclusive durante as provas, como me disse o Cesinha Cândido, que também madrugou para correr a coisa. O sujeito falava tanto que, exatamente por conta disso, não o ouvia. Fenômeno similar ao barulho dos aviões que passam a cada cinco minutos sobre nossas cabeças, e que mal percebemos.
Em dado momento o MC achou no meio da galera o ex-jogador Kaká, que preparava-se para correr os 10K.
Enfim, nada disso adicionava qualquer interesse ao evento, e tampouco retirava. Correr é uma atividade essencialmente solitária, e isso não muda mesmo quando eventualmente praticada em companhia e no meio de uma algazarra. E nesta corrida em tela, se alguém tinha mesmo veleidades de performance, não seria muito desejável ficar conversando no meio do negócio.
Como é comum nas provas de corrida por aqui, o número de participantes era bastante elevado para o cascalho disponível. Assim, logo no 2K, o estrangulamento pouco antes do retorno em 180 graus na avenida Braz Leme mostrou-se inevitável.
Yescom fazendo escola: nada como aquele cotovelo na mara de São Paulo a 500 metros da largada, na avenida Arnolfo Azevedo, no Pacaembu.
O posto de hidratação também podia ter sido melhor escolhido, pois deixava pouco espaço para os corredores, e muitos, como eu, preferiam dispensar a água oferecida. A possibilidade de escorregar no chão molhado não era impalpável.
Para cumprir os 15K somados era necessário dar três voltas pelo mesmo trajeto, o que tornou essa edição da Adidas Boost mais monótona que as anteriores, na USP.
Mas mesmo que houvesse as mais belas atrações turísticas pelo caminho, tudo isso deveria de alguma forma se subordinar ao desejo de performance dos corredores. Se é para soltar a cavalaria, não dá para ficar contemplando a paisagem.
E eu decidi correr mesmo rápido no final do 10K, talvez estimulado pela presença de alguém que tomei como rival. Depois de tê-lo deixado para trás no 6K, notei que o inimigo íntimo se aproximava a 500 metros do pórtico de chegada.
Uma estranha competitividade contra esse perseguidor um tanto imaginário me fez agora sim deixar tudo – e isso não estaria longe de ser uma metáfora caso eu passasse mais alguns segundos naquele ritmo do fim de corrida.
A ânsia que eu senti logo que cruzei o pórtico foi um momento novo nos meus já muitos anos de corrida. Bem-vindo ao verdadeiro treino de tiro, eu poderia ter dito a mim mesmo, caso houvesse algum espaço na minha mente para algum conteúdo reflexivo.
Ugo felizmente fez forfait – senão seríamos atração escatológica para uma pequena multidão – e eu fiquei a esperar pimpão pelo nome que em nenhum momento apareceu na tela. Um improvável xará Paulo Sérgio até surgiu.
Aproveitei para conhecer minha mecenas da prova, a Karen Kornilovicz, que trabalha na Continental Pneus, empresa há muito parceira da Adidas. Sem que eu pedisse, ela fez questão de tirar a foto que logo me enviaria, e nela eu apareço bastante relaxado e sorridente, outra novidade histórica.
É que não há obstrução de chacra que resista a uma prova de intensidade. Deve ter sido exatamente essa a motivação que levou algum fanático um dia a inventá-la.
Abrindo tudo: o editor deste pasquim correu e cobriu a Adidas Boost Run a convite da Continental Pneus