Minha terceira maratona: a primeira quebra a gente nunca esquece

Paulo Vieira

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CHEGUEI AO QUARTO DO meu hotel lindamente art déco em Napier por volta das 10 da manhã de sexta.

Vinte e três horas depois alinhava com outros 400 sujeitos na avenida beira-mar da cidade com o fito de correr a segunda edição da maratona de Hawke’s Bay.

Hawke’s Bay vem a ser uma das regiões vinícolas da ilha Norte deste idílico e bucólico país para lá da Conchinchina chamado Nova Zelândia.

É um lugar distante demais para se correr uma maratona, mas à garrafa dada não se olha o rótulo (quer dizer, depende).

Não ter dormido mais do que quatro das 24 horas em que fiquei dentro de três diferentes aviões e em salas de embarque à espera deles não ajudou muito. Acordar na véspera da corrida às 3 da manhã também não estava nos planos.

Na hora do jantar, a escolha de um restaurante cujo chef deve ter tanta paúra de carboidrato quanto Drácula tem de alho foi a cereja (de chuchu) do bolo.

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Enfim, poderia ficar aqui a dar desculpas – ainda não falei do vento contrário de 24km/h –, mas não posso atribuir a esses percalços de logística o fato de ter completado os 42K em 4:07:08, pace soturno de 5:53.

Além do tempo pouco auspicioso, sucumbi no “mental: andei por diversos momentos.

A gente quebra, mas a gente gosta
A gente quebra, mas a gente gosta

Não senti qualquer câimbra ou outras dores limitantes que me impedissem de correr. Só o vento mesmo incomodava.

No meio do sauvignon blanc (ou seria do shiraz?)/Foto: Tim Bardsley-Smith/Hawke’s Bay Marathon
No meio do sauvignon blanc (ou seria do shiraz?)/Foto: Tim Bardsley-Smith/Hawke’s Bay Marathon

A maratona, quase toda plana e com itinerário que passava por dentro de algumas propriedades vinícolas, foi vencida por Sam Wreford, um kiwi que já correu a mítica distância em 2:16:28 (em Christchurch, na ilha sul).

Aqui precisou de 2:27:08, baixando o recorde da jovem competição em mais de oito minutos.

Não sei direito por que ofereço abaixo os meus números, mas vamos lá.

SPLIT ACUMULADO
PARCIAL TEMPO DISTÂNCIA VELOCIDADE/PACE TEMPO POSIÇÃO GERAL CATEGORIA GÊNERO
10.1K 00:51:56 10.1km 11.67 / 5:09 00:52:08 105 12 88
21.1K 00:58:04 11.0km 11.37 / 5:17 01:50:12 100 12 84
 31.3K 01:02:52 10.2km 9.73 / 6:10 02:53:05 128 15 105
37K 00:41:01 5.7km 8.34 / 7:12 03:34:06 150 20 119
42.2K 00:33:13 5.2km 9.39 / 6:23 04:07:20 154 20 117

Até fechar a meia, minha performance em pace 5:13 era, creio, bastante razoável. Mas daí para frente o urso me abraçou.

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Este pasquim faz sucessivas perorações em favor do prazer na corrida. É nosso sol, lema e razão de existência. Os links que seguem abaixo derivam dessa noção basilar, guia máximo deste JQC, e foram seriamente questionados pelos resultados desta quebra. Analisemos.

É PRECISO DESRESPEITAR A MARATONA

Tudo bem, não sigo planilha, não faço volumes mastodônticos e gradativos na semana xis do mês xis da preparação – até porque não há exatamente uma preparação. Corro regularmente, chego mesmo até a fazer alguns treinos (nossa, a palavra saiu naturalmente) de intensidade, mas devo concordar que correr 42K não é uma tarefa banal.

Reconheço: quebrei a cara. Talvez seja o caso de não anarquizar completamente os dois meses que antecedem a maratona.

Tava frio (e ventava pra c*), mas o pessoal apareceu
Tava frio (e ventava pra c*), mas o pessoal apareceu

PARE DE USAR PLANILHA 

Calma, não precisa pensar na mais famosa frase não dita pelo FHC. Não abandonei um dos postulados mais férreos deste pasquim, um dos nossos mandamentos, parte da “missão” deste JQC, como se diz no ambiente corporativo.

Ninguém aqui quer se submeter aos ditames do excel, a alegria segue e sempre seguirá sendo a prova dos nove. A questão talvez seja adaptar um pouco de método à alegria. Não sei direito como fazer isso subindo dez vezes a rampa da Biologia ou deixando “tudo” no cascalho nos 15 tiros de 400 metros do intervalado.

CORRIDA É PRAZER

(ou: MARATONA, O FETICHE)

Quase toda a nossa ideologia está à venda, mas nesses dois tópicos somos intransigentes como um vereador do PSOL em primeiro mandato: se é para sofrer, que seja um sofrimento que valha a pena.

O que quero dizer: sofrer para completar uma maratona, esse fetiche travestido de desafio atlético temporão, não vale. Não tentem me convencer de que o grande momento de suas (vossas) vidas foi aquele em que vocês, no 34K, foram fortes o suficiente para seguir no cascalho.

Reconheço que completar os 42K pode servir como gatilho para a superação de um desafio verdadeiro – uma espécie de terapia, portanto, se tanto.

O que não é pouco para uma simplicíssima atividade física.

De qualquer forma: a corrida é insuperável como vetor da alegria.

A bula JQC para obter essa alegria é a seguinte:

use a corrida para descortinar novos cenários, como seu próprio double decker de turismo;

use a corrida  como geradora de enorme disposição para o dia (é difícil encontrar “ina” melhor);

durante a maratona, se estiver nela, não se furte a andar, caso seja necessário. Lembre-se: a alegria é a prova dos nove.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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