SE O OBJETIVO ERA CHAMAR ATENÇÃO PARA os Jogos Paralímpicos da Rio 2016, missão cumprida. A amputação fake de Cléo Pires e Paulo Vilhena criou bastante buzz, muito mais, suponho, do que seria gerado se fossem usadas imagens de atletas portadores de deficiência.
Mas como disse uma comentadora no facebook oficial da atriz, “quando quisermos fazer uma campanha problematizando o racismo que ainda existe no Brasil, bora pegar um famoso ou famosa branco e pintar de preto neh galera? Afinal, um branco pintado de preto eh melhor pra chamar atençao p movimento negro.”
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Os jogos começam no dia 7, os ingressos são acessíveis, e o cenário é a mesma Cidade Maravilhosa rejuvenescida, para o bem e para o mal, na área portuária e na Barra quase Jacarepaguá.
Eu iria, possivelmente vou, como fui numa bateria eliminatória, escolhida a esmo, da natação durante a Rio 2016.
Quem não vai é um dos melhores triatletas paralímpicos brasileiros, o baiano Edson Dantas, que, jogado de um trem em movimento na Zona Leste de São Paulo em 1992, ficou entre a vida e a morte, teve amputada a perna direita num hospital público e só foi recuperar o ânimo de acordar todas as manhãs com o esporte.
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Duas décadas se passaram, e em ranking deste ano da International Triathlon Union (ITU), ele aparece em nono dentre 63 atletas.
Na Paralimpíada do Rio, o triatlo está contemplado, mas não na categoria de Dantas, a PT3, em que o atleta utiliza uma prótese na perna. Como aquela do sul-africano Oscar Pistorius.
Não ir ao Rio é uma grande frustração, mas Dantas já teve de lidar com coisas bem mais problemáticas, e, com isso, seu foco agora é enfrentar as distâncias realmente exigentes do Ironman.
Em relação ao triatlo olímpico, as diferenças são expressivas. No Iron, todos os competidores, portadores de deficiência ou não, cumprem os mesmos 3,9K de natação, 180K de pedal e 42K de corrida; no paratriatlo, ele teria de enfrentar 750 metros de natação, 20K de ciclismo e 5K de corrida.
Entrevistei Dantas para a edição de agosto da revista Sport Life, que está nas bancas.
Segue um aperitivo da reportagem.
Superação é uma palavra muito usada no universo do esporte. Completou 5K? Superação. Diminuiu em 10 minutos o tempo da maratona? Superação. Foi correr em Nova York e usou milhas para pagar a passagem? Superação. Trocou a escada rolante pela convencional? Superação. De fato, como o condicionamento físico é muito distinto para cada pessoa, fazer 5K pode ser uma verdadeira prova de fogo.
Mas o perrengue de vida pelo que passou o baiano Edson Dantas talvez valha bem mais o uso do substantivo. Jogado por assaltantes para fora de um trem em movimento na Zona Leste de São Paulo, ele teve de amputar a perna direita e fazer algumas cirurgias corretivas no braço direito, que ficou menor e com menos potência. No hospital do Tatuapé, ao acordar e se ver com um “coto” – palavra que usa sem cerimônia –, pediu para sua irmã, que havia autorizado a amputação, lhe abreviar o martírio, e tal como o protagonista do filme Mar Adentro, passar para o outro lado.
O final, como se sabe, é feliz. Dantas, ou “Perneta” – ele gosta de usar esse apelido em suas redes sociais –, foi salvo pelo esporte e por sua própria determinação de se manter ativo. Não permitiu que o médico do INSS assinasse sua invalidez e fez questão de retomar o trabalho como cobrador de ônibus na Viação Bristol, onde, antes do acidente, ficava nove horas diárias, seis dias por semana, na cadeirinha do 4717 Sacomã-Santa Cruz. Tinha meia hora de almoço.