O fim da Abril e a “síndrome do cliente”

Julia Zanolli

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Saudosismo à parte, quando eu entrei na Abril, lá nos idos de 2008, a gente ainda ouvia a máxima: “nosso patrão é o leitor”. Ontem, após o anúncio da “reestruturação” que encerrou  títulos, se livrou de outros tantos e demitiu pencas, ficou claro que a empresa está afundando não só porque não soube se adaptar aos tais novos tempos, mas porque esqueceu quem é o patrão.

Confira a íntegra do PSC, jornal interno do grupo Abril, que anunciou as mudanças. Não à toa, a palavra “leitor” não aparece NENHUMA vez. O negócio agora é focar no “cliente”. Parece um detalhe, mas não é. Por não olhar o leitor, não sabe mais onde ele está nem como consome informação. Não percebe que precarizar (ainda mais) as condições de trabalho do jornalista só faz o produto final ficar pior. Quem perde? O leitor.

Editora Abril promove mudança na estrutura editorial e reinventa modelo comercial

Empresa aprimora modelo de negócio com foco em conteúdo, marketing e receitas

A Editora Abril anuncia hoje, 2/6, uma mudança na estrutura editorial e no modelo comercial. A empresa dá início a uma profunda transformação com o objetivo de operar mais simplificadamente e, ao mesmo tempo, atuar mais próxima às necessidades do mercado.

Como parte dessa mudança, a empresa passa a operar com três unidades: Conteúdo, Marketing e Receitas.

“Nossos valores não mudam, continuamos acreditando nos mesmos princípios que construíram nossa credibilidade, mas chegou a hora de mudar o modo de operar. Estamos adotando um novo posicionamento perante o mercado, com foco nas necessidades atuais dos anunciantes, que vêm exigindo mais agilidade e, sobretudo, flexibilidade de formatos e mídias para chegar a resultados mais eficientes de negócio”, afirma Alexandre Caldini, presidente da Editora Abril.

As mudanças, ponto a ponto

O novo posicionamento da Abril compreende as seguintes mudanças, descritas detalhadamente abaixo:

São criadas três unidades: Conteúdo, Marketing e Receitas. Elas respondem ao presidente da Editora Abril, Alexandre Caldini. A linha editorial da Abril segue ligada ao Conselho Editorial, formado por Victor Civita Neto (Presidente), Thomaz Souto Corrêa (Vice-Presidente),José Roberto Guzzo, Giancarlo Civita e Eurípedes Alcântara.

Unidade de Conteúdo

A liderança da Unidade de Conteúdo será ocupada interinamente por Victor Civita Neto, Presidente do Conselho Editorial da Abril. Respondendo a ele estarão os diretores editoriais:

Eurípedes Alcântara, em VEJA
André Lahoz, em EXAME
Paula Mageste, em Femininas
Alecsandra Zapparoli, em Lifestyle

Em Femininas, estão as marcas: BOA FORMA, CAPRICHO.COM, CASA CLAUDIA, CLAUDIA, COSMOPOLITAN, ELLE, ESTILO E M DE MULHER.

Em Lifestyle, estão as marcas: BRASIL POST, ELÁSTICA, GUIA DO ESTUDANTE, INFO.COM, MEN’S HEALTH, MUNDO ESTRANHO, NATIONAL GEOGRAPHIC, PLAYBOY, Quadrinhos, QUATRO RODAS, SAÚDE, SUPERINTERESSANTE, VEJA SP, VEJA RIO, VIAGEM E TURISMO, VIP e WOMEN’S HEALTH.

Com as mudanças, acontecem dois movimentos importantes e estratégicos:

1) Os diretores editoriais passam a se concentrar exclusivamente no seu papel de produção de conteúdo editorial e nas relações entre as marcas e suas comunidades.

2) Todas as redações da Abril passam a trabalhar com total convergência na produção de conteúdoon e offline, em diversos formatos de texto, audiovisual e eventos.

Na Unidade de Conteúdo é criado o Estúdio ABC – Abril Branded Content, cuja direção será acumulada por Edward Pimenta, diretor de Apoio Editorial. O Estúdio ABC atuará na coordenação, no atendimento e na produção de conteúdos customizados, comonative advertising ou qualquer outro tipo de content marketing, em todos os formatos, incluindo uma estrutura exclusiva para produção de vídeos.

Unidade de Marketing

A Unidade de Marketing será comandada por Tiago Afonso, que assume a posição de Diretor de Marketing. Afonso terá a responsabilidade de gerenciar o portfólio de marcas e produtos e identificar tendências de mercado. Respondendo a ele estarão os gestores das marcas e as áreas de Informações para o Mercado, Abril Big Data (ABD) e Serviços de Marketing e Eventos.

Unidade de Receitas

As maiores mudanças acontecem na Unidade de Receitas, que controla todo o faturamento da Editora (publicidade, assinaturas, vendas avulsas, e-commerce, digital e eventos). Ela será comandada por Rogério Gabriel Comprido, que assume a posição de Diretor Comercial. Gabi, como é conhecido, terá no seu time duas lideranças: Virginia Any e Dimas Mietto.

Virginia Any será responsável por toda a receita publicitária da Abril, assumindo a posição de Diretora de Vendas de Publicidade. Respondem a ela gestores focados nos seis principais segmentos de mercado – Bens de Consumo; Financeiro; Moda, Decoração e Construção; Saúde, Educação, Cultura, Lazer e Esporte; Tecnologia, Serviços Públicos e Sociais; Transporte e Mobilidade; além dos escritórios regionais e da área internacional.

Cada um desses gestores de segmento tem por missão conhecer profundamente o setor, seus desafios e seus principais players. A ideia é que a Abril, conhecendo as necessidades desses clientes, possa atendê-los de forma diferenciada, flexível e, sobretudo, eficiente, em diversos formatos, mídias e linguagens.

Dimas Mietto assume a posição de Diretor de Vendas para Audiência. Ele será responsável por toda a receita originária dos consumidores Abril. Estão sob sua responsabilidade as áreas de Assinaturas, Vendas Avulsas, Venda de Acervo e e-commerce. Continuam a responder a Dimas todos os diretores dos canais de assinaturas, além de dois gestores responsáveis por vendas avulsas.

Digital & Mobile e Casa Cor

A área Digital & Mobile permanece respondendo diretamente a Alexandre Caldini e sob o comando de Sandra Carvalho, que tem como missão garantir a execução da estratégia digital e apoiar tecnicamente a produção e a distribuição de conteúdo para clientes. Também Casa Cor segue respondendo diretamente ao presidente, com Lívia Pedreira à frente do negócio.

Mudanças em marcas

Algumas marcas foram reposicionadas e outras vendidas.

EXAME PME é incorporada à EXAME, que reforça em seu editorial a presença de negócios do segmento de pequenas e médias empresas, bem como empreendedorismo. O mesmo ocorre com o GUIA QUATRO RODAS, que terá seu conteúdo incorporado às marcas VIAGEM E TURISMO, VEJA SÃO PAULO e VEJA RIO. A marca CAPRICHO passa a atuar exclusivamente no ambiente digital, consolidando sua posição de maior provedora de conteúdo jovem feminino do mundo.

As marcas ANAMARIA, ARQUITETURA & CONSTRUÇÃO, CONTIGO!, PLACAR, TITITI, VOCÊ RH e VOCÊ S/A são vendidas à Editora Caras.

Construindo o futuro

Ao criar esse novo posicionamento, a Abril passa a atender, de maneira mais adequada, às novas demandas de mercado: uma empresa mais digital, especialista na produção de conteúdo editorial e de marketing, e com um atendimento comercial orientado aos anunciantes.

“Esse movimento é muito ousado e marcante para o futuro da Abril neste fascinante mundo da mídia, que não para de se transformar. A partir de agora, a Abril passa a estar em constante evolução em sua oferta de produtos, em seu modo de agir e pensar. É isso que nossos clientes e audiência exigem. E é isso que – com gente arrojada, inquieta e muito capaz – estamos  fazendo”, afirma Caldini.

***

Sobre os títulos que deixam de ser impressos e passam a só existir no meio digital, o colega Adriano Silva, do excelente Projeto Draft, fez uma interessante reflexão:

“Não entendo as lamentações. Foi assim com a Info. Está sendo assim agora com a Capricho. Tudo que essas marcas precisam para vicejar nos novos tempos elas têm: conteúdo, reconhecimento, relevância e comunidade. Saem do papel e deixam de ser “revistas” porque esse formato está deixando de fazer sentido. Mas essas (e outras marcas) são muito mais do que “revistas”. Imaginar que essas marcas “acabaram” só porque não sairão mais em papel, à custa de árvores, em caminhões, a partir de uma gráfica, indo para bancas de jornal etc é pensar igual àqueles que acham que a Abril é uma empresa que vende “revistas” em vez de conteúdo, informação, curadoria, conhecimento, inteligência e entretenimento. Capricho virando uma plataforma digital? Viva! Capricho mobile? Demorou! Vida longa à Capricho! Agora sim!”

É claro que a a gente fica triste pelas vagas que deixaram de existir, pelos colegas que perderam o emprego e por projetos de revistas que ajudamos a criar e hoje não existem mais. Mas isso é só um reflexo do quanto a nossa indústria precisa achar um novo rumo. E rápido.

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Julia Zanolli

Julia Zanolli começou a correr em nome do bom jornalismo quando foi trabalhar na revista Runner’s World sem entender nada do assunto. A obrigação virou curtição, mesmo depois de sair da revista. Se livrou do carro para poder andar a pé pela cidade, mas é fã assumida de esteira. Prefere falar de comida do que de nutrição e acha que ter tempo é muito melhor do que matá-lo.

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