O tênis do rolezinho

Julia Zanolli

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“Só porque o jovem da periferia tem um tênis de R$ 1 mil já é considerado bandido”. A afirmação é do cantor de funk Jonathan David, o MC Chaverinho, em entrevista durante o rolê em um shopping na zona leste de São Paulo. Ele organizou o encontro para comemorar seu aniversário e falou sobre a “ambição de ter uma coisa que vale uma grana”.

Ele provavelmente se referia ao Mizuno Wave Prophecy, que custa R$ 999,90 e virou moda nas quebradas de São Paulo. O mesmo sucesso não é visto  entre corredores, supostamente o público alvo desse modelo, já que muita gente que usou achou o tênis duro, pesado e pouco flexível.

O Prophecy conquistou mais fãs no rolê do que na pista
O Prophecy conquistou mais fãs no rolê do que na pista

Esse modelo foi lançado por aqui há alguns anos como o suprassumo da tecnologia de running performance. Diante do preço e do peso, jornalistas ingênuos, dentro do ar condicionado de suas redações, se perguntavam quem compraria aquele tênis- agora nos perguntamos se “rolezinho” tem acento circunflexo. Mas o Prophecy  já chegou à sua terceira versão e continua sendo um dos modelos de tênis mais caros do Brasil.

A Mizuno há algum tempo vem construindo a imagem de uma marca tênis de corrida voltada para performance, para a elite dos corredores. De quebra, levou a periferia.

O funk “Cola de Mizuno”, do Mc Maike, explica: “cola de Mizuno ou de Puma Disk/ fecha o camarote, um gole no whisky…”

 

Nivelando por cima
Parece uma contradição que um tênis de corrida que custa quase mil reais seja tão popular entre jovens que são recebidos com gás lacrimogêneo quando vão ao shopping com a galera. Mas o preço exorbitante é justamente um dos motivos do sucesso do Prophecy.

Muita gente se pergunta porque os tênis (ou as roupas, os restaurantes, os vinhos…) são tão caros no Brasil. Sim, os impostos são altos, os custos de produção desafiam a compaixão dos empresários, mas na hora de comprar um tênis impera o raciocínio “se é caro deve ser bom”. Os modelos mais baratos são associados a produtos de menor qualidade. Teoria comprovada pelo departamento de marketing de uma grande marca esportiva.

A explicação para o fetiche de ter mil reais na ponta dos pés vem de antes de 1888: até o fim da escravidão (e bem depois disso) quem usava sapato eram os senhores; os escravos eram obrigados a andar descalços. Cada um no seu lugar. Mais ou menos a lógica absurda que leva os shoppings a fecharem as portas na iminência do rolezinho.

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Julia Zanolli

Julia Zanolli começou a correr em nome do bom jornalismo quando foi trabalhar na revista Runner’s World sem entender nada do assunto. A obrigação virou curtição, mesmo depois de sair da revista. Se livrou do carro para poder andar a pé pela cidade, mas é fã assumida de esteira. Prefere falar de comida do que de nutrição e acha que ter tempo é muito melhor do que matá-lo.

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