Quando digo que corro e não treino, não estou fazendo apenas um jogo retórico e botando panca de blasé. Jamais participei de um “treino” coletivo com preparadores, cronômetros e metas de velocidade; minha única inveja das manhãs de sábado da Usp é de não ter à disposição, como a rapaziada lá, uns isotônicos no gelo na hora da secura.
Feito o nariz de cera, aqui vai o lead (e já ouço mentalmente a palavra “lead” pronunciada em francês e me vem à mente a famosa história do “corta pelo lead”, do saudoso Jean Yves Neufville na Folha, Jean Yves com quem trabalhei na Bizz, priscas eras).
O lead, meu Deus do céu: ontem corri uma maratona.
Isso aí.
O sujeito que passou uns bons doze anos ensaiando para disputar uma meia – e que vai para a sua segunda meia do Rio neste domingo, moi meme, correu uma maratona informal ontem, dia dos pais, em São Paulo. Ou seja: enquanto as pessoas treinam para maratonas correndo meias no pau, eu treinei para uma meia correndo uma maratona na cadência.
Desde as corridas de Campos do Jordão e de Cunha, desde a leitura de Nascido para Correr, eu venho desejando percorrer distâncias maiores e ter mais, para usar uma expressão automobilística, autonomia. Em Cunha, ensaiei uma volta da Pedra da Macela à cidade, o que daria mais de 30K, mas ainda não me julgava apto e fiquei com uma corrida de 1:50’ desde o bairro rural de Paraibuna. Foi legal pra caramba, aliás, pois só teve 3K de asfalto.
Ontem coloquei na cabeça que iria dos altos da Vila Romana, onde moro, ao Pico do Jaraguá, subiria-o e voltaria correndo. Pelo menos uns 36K, me avisava o Google Maps, mas o software amigo não considerou os desvios pelas ruas mais calmas que eu sempre acabo fazendo quando entro numa história dessas.
O Pico do Jaraguá é um símbolo paulistano, mais ainda para quem cresceu na ZO, como eu, de onde ele é ubíquo, mesmo com os prédios cada vez mais altos que vão surgindo. Na adolescência, ir ao Pico em nossas Caloi 10 era quase um rito de passagem. Não me lembro de alguém que propusesse ir e voltar correndo, mas a corrida, é bem verdade, ainda era para poucos.
Foi uma alegria ganhar a estrada que leva carros, motos, bicicletas, pedestres e alguns poucos corredores ao topo. Cheguei ali com cerca de 1h20’ de corrida e entrei no asfalto bordejado pela Mata Atlântica com muita sobra. Corri os 4,5 ou 5K até o Pico, a expressão é um tanto gay, com leveza. Ao contrário do Parque da Cantareira, na região do Horto, a subida nunca é muito íngreme, nunca é tão exigente. A cordialidade imperava: corredores que desciam me cumprimentavam, caminhantes que subiam, idem.
Das cinco plaquinhas de quilometragem, só sobraram três, o que fez o trecho mais agridoce parecer maior, pois faltava a sinalização do KM 7 entre o KM 6 e o KM 8 (uma lata de atum para quem me informar a razão de uma numeração tão extravagante). Depois de passar pela entrada da antena da TV Cultura e chegar à base da antena da Band, cravei o celular em 1:58’56” e interrompi a marcha para fazer, num WC felizmente ainda virgem mesmo às 11 da manhã, algo que não poderia ser deixado para depois, você sabe.
Aproveitei para tomar água, coisa que não havia feito em nenhum momento na corrida e, claro, subi os 230 degraus até a antena, para ver a cidade lá de cima.
Novamente não consegui achar coisas que antes eu visualizava com facilidade, como o prédio dos Correios na Leopoldina e o Memorial, na Barra Funda.
Na volta, o bicho iria pegar.
(continua no próximo post)
Muito legal. Na minha opinião, esse tipo de aventura semi-planejada é tão ou mais legal do que uma maratona de verdade.