A caminhante e o Caminho

Paulo Vieira

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Galícia, 29º dia de caminhada
Galícia, 29º dia de caminhada

 

A curitibana Suzana Paquete, 37 anos, tem qualidades pouco comuns à maioria esmagadora dos jornalistas. Ela é generosa, tolerante, atenciosa, fala atualmente cinco idiomas e, raridade das raridades, interessa-se por qualquer pessoa que cruzar seu caminho. Uma versão feminina do Nosso Heroi.

Suzana, que trabalhou comigo na Viagem e Turismo, está há quase nove anos na Espanha, para onde foi ganhar a vida a despeito da crise e para fazer do país sua plataforma de lançamento para viagens por todo o mundo.

Ela falou com o JQC enquanto fazia seu 34º dia de marcha no famoso Caminho de Santiago de Compostela. Na verdade, já havia deixado Compostela em direção a Finisterra (“Fim do mundo”), o complemento de 80K que alguns peregrinos se permitem depois de já ter andado 800K. Estava em Quintáns, a 8K de Compostela.

Suzana falou comigo enquanto caminhava. Usando a ferramenta de voz do Facebook, respondeu minhas mensagens de texto com pequenos depoimentos de áudio. Dava para ouvi-la ofegante.

É a quarta vez que faz o Caminho, a primeira “full monty”,  completão, percorrendo o chamado “Caminho Francês”, que começa em St. Jean Pied de Port, nos Pirineus franceses. Ela vence cerca de 25K por dia e põe-se a caminhar logo cedo, antes das 7h da manhã: o café ela só toma ao chegar no próximo povoado, duas horas de pernada depois.

Suzana em geral começa a caminhar sozinha, mas, sociável, sempre acaba se juntando a outros caminhantes. Na terça da semana passada, no fatídico 1 x 7, por exemplo, assistia ao jogo na companhia de três alemães que, um tanto constrangidos, a consolavam.

Poucas pessoas teriam dicas melhores sobre o Caminho de Santiago, mas a parte “Guide Michelin” deste post fica para a semana que vem. Aqui seguem algumas de suas dicas práticas.

– Se é sedentário, é útil fazer uma preparação prévia pelo menos um mês antes de começar o Caminho. Ande bem rápido 4 vezes por semana por duas horas seguidas.

– A mochila não pode pesar mais que 10% do peso de quem a carrega. Por isso escolha roupas técnicas, dessas que secam rapidamente. Não é todo dia que você vai lavar roupa – nem elas vão secar de uma hora pra outra.

– Quase todos os albergues das cidades do Caminho tem wi-fi. Só fiquei desplugada uma ou duas vezes o dia inteiro, e foi bom, tive de conversar mais, brincar de jogos de mesa. Foi bem interessante.

– Nas paradas há sempre um albergue municipal, público, que é gratuito ou custa 5 euros, e há privados, que custam até 12 euros. Sempre servem refeições completas, o menu do peregrino, que vai da entrada ao café, por até 12 euros. Os albergues públicos tem um “curfew”, você precisa dormir no máximo às 10 da noite.

– Recomendo um albergue vegetariano sensacional em Hospital de Orbito (parada seguinte a Leon). É o Verde. “Embora tenha beliches parece hotel, sem hora para dormir, café na hora que você quiser, aula de ioga. Custa 9 euros com jantar e café da manhã.”

– Há água fácil pelo caminho. Mas vale levar um cantil ou uma mochila integrada. A minha tem capacidade para 2 litros, mas nunca levo mais de 1,5 na caminhada, pelo peso.

– Todos comem banana para ter uma fonte de energia e para evitar as câimbras. Sempre tem mercadinhos nas cidades. Cada banana (unidade) custa 50 centavos de euro.

– Não vejo um componente místico no Caminho. Mas a gente vai a muitas igrejas, assiste a muitas missas. Quando vê, está chorando copiosamente. Porque aqui ficamos muito tempo conosco mesmos.

– Os peregrinos aprendemos a curar as bolhas que aparecem nos nossos pés com agulha e linha. Mas há uma espécie de band-aid de silicone à  venda que dura quatro dias e que previne contra a formação das bolhas.

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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