Sobre a sesta

Paulo Vieira

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Um dos pilares da vida saudável do mundo está em xeque. O regime de trabalho espanhol, que prevê três (aparentemente) longas horas para a sesta, das 14h às 17h, vem mudando desde os anos 2000. Assim, a pausa para aqueles 30 ou 40 minutos de sono após o almoço já não é observada por muitos espanhóis.

Pesquisas já associaram a sesta com um melhor desempenho, veja só, no próprio trabalho; mais do que isso, já indicaram que os níveis de mortalidade causados por lesões cardíacas diminuem entre quem tem esse hábito regular.

Existe, você irá ponderar, pesquisa para tudo, mas tomemos esta, da Harvard School of Public Health e da Escola de Medicina da Universidade de Atenas. Trabalhadores gregos que tinham o hábito da sesta foram cotejados com quem não tirava essa sacrossanta pestana após o mussaka de todo dia. O pessoal da sesta apresentou taxas 37% menores de risco de mortalidade por complicações coronárias.

Ao jornal britânico The Guardian, que divulgou o estudo, o professor alemão Jürgen Zulley, da Universidade de Regensburgo, foi lapidar: “A soneca nos ajuda a reagir mais rápido, ficar mais alerta e a melhorar nosso humor.”

Tudo isso vem a propósito de um convite do bom (e novo) amigo Carlos Turdera, correspondente de publicações da Espanha e da Argentina em São Paulo, com quem venho dividindo o cascalho às quartas-feiras logo cedo. Hoje ele não poderia vir, e propôs que corrêssemos às 14h.

“Deu ruim pra mim, velhão”, mandei. “A religião não permite”.

Fico perplexo com a quantidade de pessoas que acorrem às academias nesse horário. Ou não comem, ou, se comem, não digerem. Imagina se um dia vão se permitir uma sonequinha reparadora.

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Isto era para ser um nariz-de-cera, mas eu tive o bom senso, acho, de jogar a história para o pé. Se o leitor de internet mal lê um parágrafo, iria me abandonar, suponho, já na segunda palavra.

Durante um ou dois meses, nos tempos de um plano econômico chamado Cruzado, voltava para casa do trabalho para almoçar. Levava uns 45 minutos da Barra Funda às Perdizes. SP2. Se decidisse “cortar” pelo parque da Água Branca, dava uns 55′.

Depois do rango da mama, ainda me permitia tirar uma soneca de uns 20-30 minutos. Mas havia que se retornar, qual jeito, e então eram mais 45 minutos até o trampo.

Toda vez que eu tirava a sesta, algo que só ocorreu naquelas poucas semanas de 1986, eu acordava um pouco assustado por, supostamente, ter dormido demais. Mas meu relógio interno é preciso, e meu despertar era sempre no mesmo horário.

Claro que o emprego não durou muito. Era num lugar bacana, a redação da revista Bizz em sua formação que os pósteros iriam chamar de “histórica”:  Scott, Alex Antunes, Bia Abramo, Jean Yves, Thomas Pappon, Sonia Maia, Rodolfo, Waguinho. Devo estar esquecendo alguém.

Costumo dizer que aquela foi a demissão mais justa que jamais tive.

Se vivesse na Espanha naquele tempo, meu emprego não estaria nem de longe ameaçado por meus horários extravagantes de almoço. Na verdade, talvez até pudesse ser recompensado por eles. Há por lá um campeonato, promovido pela Associação Nacional dos Amigos da Sesta, cujo objetivo é  encontrar os melhores “sesteiros” do país – não me pergunte como eles são avaliados. Em 2011, o primeiro colocado levava 1000 euros.

Num texto inspirado no El País, o autor Javier Cercas matou a charada sobre o tema. Não traduzo porque vocês já estão bem grandinhos e eu preciso…

No se duerme la siesta por ganas de vivir menos, sino de vivir más: quien no duerme la siesta sólo vive un día al día; quien la duerme, por lo menos dos: despertarse es siempre empezar de nuevo, así que hay un día antes de la siesta y otro después.

 

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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