Precisamos falar da morte?

Paulo Vieira

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A corrida Night Run é uma festa. Camiseta invocada, bem em sintonia com o astral jovem/urbano/notívago/descolado do evento. É difícil encontrar um corredor que não queira fazer uma foto tendo como fundo o backdrop com uma das imagens oficiais da prova, um desenho à street art com o que parece ser uma coruja no meio de arranha-céus.

Mas, como em toda corrida de rua, há riscos. Eventualmente, risco de morte. Segundo Nelson Evêncio, presidente da Associação dos Técnicos de Corrida de São Paulo,  nos Estados Unidos morre 1 a cada 200 mil participantes de provas de corrida de rua por ano. Bem mais fácil é morrer em acidente automobilístico – nos Estados Unidos a chance disso acontecer é de 1 por 7700/ano. Não há dados sobre mortes de corredores no Brasil.

NOSSO REPÓRTER CONTA COMO FOI A NIGHT RUN

Em geral, as corridas regulares têm uma excelente estrutura de atendimento. Ambulâncias, tenda de socorro e possibilidade de rápido deslocamento para o hospital de referência mais próximo. Mas às vezes isso é insuficiente.

Sábado passado, no Sambódromo, na Night Run, um jovem corredor foi assistido na tenda de emergência pela empresa Medicall, que presta serviços médicos em diversas corridas de rua, não só as organizadas pela Cooper/Ativo, promotores da Night Run.

Ele chegou a ser levado ao Hospital do Mandaqui, mas não resistiu. Estatisticamente, pessoas mais jovens têm menos chance de resistir a ataques cardíacos.

Até onde se sabe, tudo foi feito para evitar a fatalidade.

Segundo uma fonte da Cooper/Ativo, a vítima não estava inscrita no evento. Era “pipoca”. Tentamos obter uma declaração oficial da empresa, mas até a publicação deste post a pessoa indicada não respondeu ao contato do site.

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O JQC, que apoia incondicionalmente a corrida de rua, é seu arauto e evangelista, acha que é preciso deixar claro que mortes, ainda que raras, podem vir a acontecer durante a atividade física. Mas que, de modo geral, se o esporte é praticado com bom senso e temperança, ele traz um ganho de saúde crescente.  Com medidas simples como consultas regulares ao cardiologista, o risco é ínfimo.

Mas será que esse risco, ainda que ínfimo, vem sendo comunicado da melhor maneira? Devemos, precisamos, falar da morte quando ela acontece?

Conversamos com alguns especialistas para tentar obter uma resposta.

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Iberê Dias, juiz de direito e maratonista

“O organizador não está obrigado a publicar que alguém faleceu. Eticamente, talvez seja razoável explicar o que aconteceu, como forma de prevenir novas ocorrências. Mas, considerando que não houve falha alguma,  juridicamente isso não é exigível. No caso de um “pipoca”, continua sendo razoável que os organizadores façam esforços para reduzir o número de mortes durante as provas (ainda que esse seja um número ínfimo). E a qualidade de “pipoca” não altera a tragédia humana. Mas, de novo, juridicamente, nada obriga o organizador a fazer [publicar algo sobre o falecimento].”

Junia Nogueira de Sá, especialista em gestão de imagem, CEO da FleishmanHillard Brasil (Grupo Omnicom)

“Enquanto estamos falando agora, pode ser que alguém sofra um infarto em algum parque ou shopping, e nem por isso o parque e o shopping devem fazer essa comunicação. Eles não são responsáveis por esse infarto. Por isso, se as condições e o desafio da corrida eram normais, se o atendimento e a estrutura estavam corretos, não faria uma comunicação pró-ativa [da ocorrência de morte]. Mas seria transparente e detalhista sobre isso, se perguntado.”

Paulo Roberto Pepe, especialista em gestão de imagem, CEO da Empório da Comunicação

“Sem conhecer todo os aspectos do caso, chama atenção que o site do evento não tenha uma linha sequer abordando possíveis riscos à saúde do competidor. Nada contra a comunicação que remete a uma balada, mas há aí potencial enorme de produzir danos de imagem e reputação aos organizadores. A chance de que pareçam irresponsáveis, insensíveis e só pensem na grana é grande. E reputação é como boa forma física — muito difícil de ganhar e muito fácil de perder.”

Sérgio Xavier, jornalista e corredor, autor de Correria, Vidas Corridas e Operação Portuga

“Eu acho razoável não falar voluntariamente [sobre a ocorrência nos próprios canais de divulgação] e acho obrigatório dar todas as explicações quando perguntado. Até porque, com raras exceções, trata-se de fatalidade sem responsabilidade do organizador. Seria como ‘produzir prova contra você mesmo’, numa associação livre. Acho que é direito seu editar os fatos positivos em seu próprio site. E papel da imprensa lembrar dos negativos também. Se o morto corria mesmo na “pipoca”, até alivia a deles [do organizador]. Mas sempre é um tema relevante. Correr não mata, até salva. Mas morre gente na corrida, fato.”

leia mais: JAMES FIXX, O HOMEM QUE POPULARIZOU AS CORRIDAS, MORREU CORRENDO

 

 

 

 

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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