No mês de junho nenhum jornalista correu mais do que os repórteres ninjas da #posTV, que cobriram as manifestações pelo Brasil, através de transmissões ao vivo com celulares, no meio dos manifestantes, sem colete de imprensa ou proteção policial. Por isso, decidimos entrevistá-los e saber como correr e cobrir melhor o movimento que acontece nas ruas. As respostas foram enviadas pelo coletivo de mídia alternativa.
A #posTV vai acabar com a TV tradicional? Com a Globo?
A #PosTV é um veículo, que surge na lógica das redes, num momento onde a TV tradicional já não consegue mais lidar com a expectativa de um público que, através da internet, consegue informações mais velozes e com uma maior proximidade dos fatos. Não queremos ser a Globo. Fazemos a mídia como achamos que ela deve ser e isso tem despertado o senso crítico nas pessoas de que, talvez, a Globo não esteja mostrando tudo como realmente é. Além da Pos TV, temos dezenas de outras iniciativas de TV online ou até outros canais de TV aberta, que proporcionam o acesso a um conteúdo mais interessante e plural do que uma emissora como a Globo se permite fazer. A lógica não é termos poucos programas com audiência enorme, mas sim ter uma enorme quantidade de programas sendo realizados de maneira independente, descentralizada, ao longo do país. Continuaremos fazendo o nosso trabalho e lutando pela democratização da mídia e isso envolve, com certeza, o fim dos modelos atuais da TV tradicional.
A #posTV cobriu quantas manifestações pelo Brasil até agora? Qual foi o pico de audiência do streaming nas manifestações?
Desde seu surgimento a #posTV, que fez a primeira transmissão durante a Marcha da Liberdade, esteve sempre presente em diversas manifestações populares. No ultimo mês estimamos que mais de 100 atos foram transmitidos. Nossa maior audiência foi de 180 mil espectadores no dia 18 de junho em São Paulo.
O contato é feito através de e-mail enviado tanto para o NINJA, como também para a própria Pós TV. Os colaboradores informam o horário da transmissão e por onde seré feita, assim colocamos no nosso site.
Quais foram os momentos mais críticos dessa cobertura?
Os momentos mais críticos normalmente são durante os confrontos diretos entre manifestantes e a tropa de choque. O gás lacrimogêneo às vezes impede até de dar os próximos passos e faz a gente se perder da manifestação.
Quais são as dicas para quem quer ir pra rua e colaborar com as transmissões?
A calma é essencial, trabalhando na linha de frente a todo momento, a adrenalina fica muito alta e o repórter fica imerso em situações que fogem completamente ao controle, então é essencial manter o sangue frio, mesmo durante os conflitos e com as bombas explodindo.
Coragem também é um item importante, principalmente para fazer perguntas para o coronel da PM, que está a frente do batalhão nas ruas, ou para caminhar lado a lado ao grupo do BlackBloc.
Os repórteres correm e muito durante as coberturas, há uma preparação ou aquecimento antes?
Não há preparação física específica, mas nosso dia-a-dia é muito intenso, portanto, já há um certo costume a ritmos corridos e atividades que duram um longo período de tempo ou necessitam de muita resistência. Entretanto, um alongamento e boa alimentação antes de sair de casa são boas dicas.
Há um “uniforme” para os repórteres que participarão das manifestações, com tênis, camiseta…? O que um jornalistas não pode esquecer de levar?
Não usamos uniforme para não nos destacarmos na multidão. Por isso roupas neutras são boas opções. O tênis, jeans e jaquetas leves são elementos importantes pois garantem um equilíbrio entre segurança e mobilidade. O jornalista que fica na linha de frente deve estar munido com máscara de gás, água, vinagre e outros itens para sua proteção. Além disso, obviamente, é fundamental que esteja com equipamentos: câmeras, gravadores e afins.
Quais os cuidados vocês aconselham para quem quer cobrir manifestações?
Nos ambientes de grandes manifestações pode haver ações hostis de diversas partes, mas, muitas vezes, a abertura que o repórter tem para ouvir a mensagem exata que a pessoa quer passar, pode romper certas barreiras que a mídia tradicional teria e tornar o Ninja um membro do grupo com o qual conversa. É importante o repórter ninja manter a humildade e a firmeza nas conversas, além de estar sempre disposto a escutar, com olho vivo, investigando e levando para quem acompanha o que está acontecendo.
Como é correr em meio à fumaça do gás lacrimogêneo, após o spray de pimenta e/ou fugindo de balas de borracha? Vocês têm alguma dica de como não perder o passo em meio aos ataques da polícia?
Algumas dicas são importantes: 1. o vinagre e leite de magnésio são de fato efetivos para amenizar o gás lacrimogêneo, mas carregá-lo na mochila pode comprometê-lo, sempre há pessoas solidárias que disponibilizam para os que estão do lado. 2. Muitas vezes a multidão corre desesperada num primeiro sinal de confronto, se misturar nessa correria pode não ser a melhor escolha, um conselho é se esconder quando as pessoas correm para averiguar a real situação. 3. Tomar uma posição lateral à linha da PM pode ser interessante, sair do fogo cruzado e se destacar da multidão, mostrando ali que você faz parte da mídia e que não leva um perigo físico a nenhuma das partes.
As manifestações mudarão a forma de fazer jornalismo no Brasil?
Certamente, isso já está em curso. O jornalista foi desafiado a ir pra rua e encarar a bomba de gás lacrimogêneo e a bala de borracha junto aos manifestantes. A imprensa tradicional tem dificuldade de acompanhar as manifestações de dentro e, não por acaso, são recebidas com hostilidade pelos manifestantes. Os últimos episódios vieram a evidenciar um processo onde a credibilidade dos grandes veículos está posta em cheque, já que com a grande participação popular nos atos, o desvio ou manipulação da informação atinge de uma só vez um número alto de pessoas. Essas pessoas vão em busca de informações condizentes com os fatos e encontram nas redes um conteúdo muito mais próximo e sincero do que foi noticiado na grande mídia. Ainda mais agora, quando centenas de midialivristas podem usar dos seus próprios registros para comprovar o contrário. Não temos mais uma fonte única de informação, essa é a revolução dos meios.
E a política mudará?
A política também não será a mesma. O povo gostou de ir pra rua, sentiu a sua força e a influência que tem no Estado. As manifestações estão provocando mudanças e muitas vezes conseguindo as respostas que querem ouvir. A partir de agora, um novo processo se inicia no Brasil, não é só em escala nacional que as manifestações terão efeito direto. Se tem um problema na sua rua que não é solucionado pela Prefeitura, os próprios moradores vão se mobilizar para buscar a solução e buscar os meios corretos pra isso.
A pergunta que não quer calar: qual é o celular e fornecedor de 3G do repórter que fez a cobertura em São Paulo, no dia da manifestação no Centro (18 de junho)? Como ele conseguiu transmitir durante tanto tempo?
É simples! Conseguimos fazer as transmissões com planos de internet pós-pago, onde a taxa de transmissão é maior que 0.5 mbps de upload. O celular é um smartphone conectado a um notebook que é levado na mochila, assim permanece em carregamento constante.