Terremoto

Paulo Vieira

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O terremoto mais impressionante que vivi foi em Orlando, Flórida, no complexo da Disney – ou, quiçá, no da Universal. Culminava com queda de energia, inundação, talvez até com incêndio num comboio, se já não confundo os brinquedos.

Devo ter vivido uma boa dúzia deles, menos espetaculares, no Chile. Porque basta ficar um dia em qualquer parte do país Marco Maciel para vivenciá-los.

Na minha primeira vez no Chile, Tom Jobim ainda vivo, imaginei que a responsável pelo barulho sobre o zetaflex do quarto da pousada de San Pedro era uma lhama extraviada. Mas lhamas, mesmo as do Atacama, não costumam subir em telhados, nem estes aguentam o peso dessas amáveis bestas.

“Temblor”, matou a charada na manhã seguinte o guia que nos levaria a ver flamingos.

E temblor foi o que sentimos também em nossa última estada, janeiro último, quando nos preparávamos para deixar o hotel em La Serena. Deu cerca de 4,0 na escala Richter, e o sofá da recepção do vetusto hotel balançou um pouquinho.

Numa rápida consulta ao Chiletemblores.cl, constato que em apenas duas horas deste começo de tarde já aconteceram 10 pequenos terremotos no Chile, com intensidade máxima de 4,7 graus.

Cada grau na escala Richter significa uma intensidade de energia liberada dez vezes maior. O terremoto mais impressionante do mundo aconteceu justamente no país, em 1960, em Valdivia, 9,5 graus. O de fevereiro de 2010 chegou perto, com 8,8 graus.

Em 2010 eu era redator-chefe da Viagem e Turismo e, mesmo o país arrasado, tive uma ideia: enviar um jornalista a Santiago.

A Camilla Veras Motta, brilhante repórter iniciante na VT e hoje estrela do firmamento do Valor Econômico,  foi incumbida da tarefa. Ela lembra.

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Rapaz, foi muito bacana fazer aquela matéria. Eu saí daqui meio apreensiva, porque não tinha ideia do que ia encontrar. Sabia que o metrô de Santiago tinha ficado dois dias parado e que o museu de Belas Artes estava fechado. Eu tinha cancelado minha viagem de férias para lá algumas semanas antes, aliás, por causa do terremoto.

Casas em Maipu/ciperchile.cl
Minha casa, minha vida/ciperchile.cl

O que encontrei deve se repetir em todos os países habituados a esses rompantes da natureza: uma resignação pragmática, que faz com que a fase do drama seja muito curta, logo dando lugar à reconstrução.

Todo mundo tem uma história pra contar, já perdeu alguma coisa ou alguém em um terremoto, um tsunami. Por coincidência, conheci uma polonesa que estava na rua na madrugada do terremoto, que viu os muros antigos do Barrio Brasil tremularem como uma bandeira. Foi ela que acabei usando pra abrir a matéria.

O que me impressionou – e o que tentei explorar, já que um texto de viagem deve ser inspirador –, foi perceber como a arquitetura chilena se alimenta dessa adversidade. Ela é hoje uma das mais competentes do nosso continente. Foi por causa dela que Las Condes, em Santiago, não contou um vidro trincado entre os arranha-céus em 2010.

Depois da matéria acabei pesquisado mais sobre isso, e descobri um escritório incrível, chamado Elemental, que propôs um impressionante trabalho de recuperação das áreas destruídas pelo tsunami em 2010. Eles também têm alguns projetos na área de moradia popular de deixar qualquer Minha Casa, Minha Vida envergonhado.

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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